Este texto inicia um estudo
comparativo de alguns mudrás nos
textos clássicos do Hatha Yoga, Hatha Yoga Pradípiká, Gheranda Samhitá e
Shiva Samhitá, com o objectivo de dar a conhecer parte daqueles textos bem
como familiarizar o praticante com a linguagem dos shástras.
Os mudrás do Hatha Yoga são
um tema nem sempre bem compreendido. Alguns julgam-nos apenas gestos das mãos,
os chamados hasta mudrás. No entanto,
existem outros, técnicas específicas que são feitas com o corpo. Não são ásanas, não são hasta mudrás, não são pránáyámas,
não são exercícios de concentração ou de visualização, mas uma combinação de
todas essas técnicas ou de parte delas.
Certo é que são técnicas
avançadas que apenas devem ser executadas uma vez dominados, com algum
conforto, ásanas, pránáyámas, drishtis e
bandhas. A indicação dos mudrás nos textos a que faremos
referência aparecem sempre depois das instruções sobre ásana e, com excepção da Gheranda
Samhitá, também depois do pránáyáma.
Segundo Satyananda "mudrás
são um combinação de movimentos físicos subtis que alteram a disposição, atitude
e percepção, e que aprofundam a atenção e concentração"[1]. Mas,
mais importante do que isso, são técnicas apontadas pelos Shástras como importantes para o despertar da Kundaliní. Vejamos a Hatha
Yoga Pradípiká:
"Assim, deve-se praticar com
empenho os diversos mudrás a fim de
despertar a poderosa deusa kundaliní que
dorme fechando a porta de acesso ao Absoluto (sushumná nádí).
Os dez mudrás são mahamudrá,
mahabandha, mahavedha, khecharí, uddiyana bandha[2], mula bandha,
jalándhara bandha, viparita karaní, vajrolí mudrá e shaktí chalaná. Eles
destroem a velhice." (III, 5-7).
A Gheranda Samhitá é mais exaustiva na enumeração dos mudrás:
"Gheranda disse:
Existem vinte e cinco mudrás, cuja prática dá sucesso aos Yogis. Eles são:
Mahámudrá,
nabhomudrá, uddiyana, jalándhara, múlabandha, mahábandha, mahávedha, khecharí,
viparítakarí, yoni, vajrolí, shaktichalana, tadágí, mándukí, shámbhaví,
pañchadhárana, ashviní, pashiní, kákí, mátangí, e bhujanginí."
(III, 1-3).
E finalmente a Shiva Samhitá, que enumera os mesmos dez
mudrás da Hatha Yoga Pradípká:
"Agora vou dizer-te o melhor
meio de se conseguir sucesso no Yoga.
Os praticantes devem mantê-lo secreto. É o Yoga
mais inacessível. Quando a deusa adormecida kundaliní
é acordada pela graça do Guru, então
todos os lótus e granthis (nós) são
logo atravessados sucessivas vezes. Assim, para que a deusa que dorme na boca
de brahmarandhra (a entrada de sushumná nádí), seja acordada, os mudrás devem ser praticados com grande
cuidado.
De muitos mudrás, os dez seguintes são os
melhores:
Mahámudrá,
mahábandha, maháveddha, khecharí, jalándhara, múlabandha, viparítakarana,
uddiyana, vajroli e shaktichálana." (IV, 12-15).
Os mudrás são praticados, geralmente, depois dos ásanas – "Depois dos ásanas
e dos bandhas, a prática do Hatha Yoga continua com as distintas
variações de kumbhakas, os mudrás e a concentração no som interior
(nada)." Hatha Yoga Pradípká (I, 56).
Toda a sorte de vantagens e
benefícios é atribuída à prática dos mudrás
por estes shástras. Vale a pena
referir esta indicação da Hatha Yoga
Pradípká:
"Shiva ensinou estes dez gestos que proporcionam os oitos poderes
paranormais (siddhis); os yogis perfeitos (siddhas) esforçam-se na
sua prática, mas os mudrás são
difíceis de serem dominados, mesmo pelos deuses."
Estes poderes são os
descritos no capítulo III, dos Yoga-Sútras
e são:
- Animan, o poder de ficar pequeno como um
átomo;
- Mahiman, o poder de ficar imensamente
grande;
- Laghiman, o poder de ficar muito leve;
- Prápti, o poder de alcançar todas as coisas,
como conseguir tocar a lua com um dedo;
- Prákámya, o poder de realizar instantaneamente
todos os desejos;
- Vashitva, o poder de controlar os objectos
animados e inanimados;
- Ishitritva, o poder de domínio sobre a matéria
e os objectos que derivam dela.
- Yatrakámavasáyitva, o poder de determinar as coisas
segundo o seu desejo.
A estes acrescenta-se a
perfeição corporal (kaya siddhi) que Patañjali definiu no sútra III, 47:
"A perfeição do corpo físico
manifesta-se como beleza, graça, força, dureza e o brilho do diamante."
A
linguagem dos shástras nem sempre é
directa. Por vezes é cheia de folclore, rica em metáforas, imagens e símbolos.
Enfim, é o testemunho escrito dos Mestres antigos, porque a sua viva voz, o
ensinamento directo, só está acessível através do param-pará (de boca a ouvido…).
Miguel Homem
miguelhomem@gmail.com
A
citações da Hatha Yoga Pradípiká são
extraídas da tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002,
Florianópilis, Brasil, enquanto as da Gheranda
Samhitá e Shiva Samhitá são a
tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hahayoga-Pradpika,
Gherand-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e
Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª
Edição, Motilal Banarsidas Publishers,
2004, Delhi, Índia.
[1] Asana
Pranayama Mudra Bandha, 3ª Edição, Yoga Publications Trust, 2002, Índia,
pag. 423.
[2] Já Theos Bernard ensinava que a distinção
entre bandha e mudrá é meramente teórica e não deve causar nenhuma confusão,
porque ambos são uma e mesma coisa. Veja-se Hatha
Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health
Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 60, nota nº 3.
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