Introdução
É uma característica única do
Advaita Vedanta que a maior parte das suas figuras modernas proeminientes,
aquelas que se evidenciam como exemplos radiantes de poder e glória de
realização do Absoluto, geralmente parecem ter pouco, se algum, treino formal e
tradicional. Ramana Maharshi, por exemplo, provavelmente o mais reconhecido
professor de Advaita do século XX, atingiu espontaneamente a iluminação aos 16
anos sem nenhuma prática ou estudo espiritual anterior. O brilhante mestre de
Advaita e autor de “I Am That”, Sri Nisargadatta Maharaj, realizou o Absoluto
após apenas 3 anos com o seu guru. E falando com alguns dos professores
contemporâneos de Advaita sobre este assunto, ficamos intrigados ao descobrir
que quase todos estes indivíduos têm em comum uma impressionante independência
de ordens monásticas, sistemas de ensinamento e textos sagrados da tradição de
onde estes ensinamentos brotam.
Mas Advaita Vedanta é, na
realidade, uma tradição com 1300 anos que vai buscar as suas raízes ainda mais
longe nas Upanishads, uma coleção de escrituras divinalmente inspiradas há mais
de 2500 anos. Incorporando a filosofia Hindu de não-dualidade, que afirma que
apenas o uno Absoluto, o Ser não-dividido é, em última análise, real, Advaita
tem algumas ordens monásticas, um rico corpo de literatura e uma longa história
de discursos filosóficos formais. Como a nossa exploração sobre Advaita para
esta edição de WIE nos expôs a uma panóplia de professores contemporâneos e
ensinamentos, a curiosidade sobre o que alguém com um estudo no ensinamento
tradicional e doutrina clássica teria a dizer em resposta às nossas questões
foi aumentando. Foi a nossa busca por um tradicionalista que nos levou à selva
do sul da Índia, ao estado de Tamil Nadu, ao ashram de Swami Dayananda
Saraswati.
Swami Dayananda descreve-se a si
mesmo como um professor tradicional de Advaita Vedanta. Discípulo próximo do já
falecido e muito respeitado professor de Vedanta Swami Chinmayananda, ele
começou a ensinar há mais de 30 anos após uma disciplinada busca espiritual que
incluiu estudo intensivo das escrituras clássicas e alguns anos em retiro nas
regiões montanhosas dos Himalayas. Durante esse tempo ganhou forte reputação
tanto na Índia como no estrangeiro como um feroz defensor da tradição. Publicou
21 livros, incluindo algumas traduções e comentários de textos tradicionais e
fundou 3 ashrams (2 na Índia e 1 nos EUA) onde são realizados os seus cursos
intensivos de Vedanta todo o ano.
Rodeado por floresta e a cerca de
50 kilómetros de Coimbatore, o mais recente ashram de Swami Dayananda, Arsha
Vidya Gurukulam, é um complexo de salões e dormitórios capaz de acomodar
aproximadamente 300 pessoas. Por altura da nossa visita estariam cerca de 100
estudantes a residir num curso de 3 anos, incluindo 30 ou mais estudantes
ocidentais, muitos dos quais, viemos a saber, teriam deixado para trás
carreiras de sucesso para participarem no curso. Para além de realizar estes
longos cursos residenciais, o ashram também recebe muitos visitantes distintos
durante curtos períodos, incluindo algumas das maiores estrelas de cinema da
índia e líderes políticos, como o ex-presidente indiano, conforme nos foi dito.
Durante o nosso primeiro dia,
tivemos a oportunidade de presenciar uma aula de Swami Dayananda, e quando o
fizemos tornou-se aparente para nós que, no seu desejo de perpetuar a tradição,
aquilo que Swami Dayananda realizou não é um ambiente de retiro contemplativo
como seria de esperar num ashram de um guru indiano, mas algo do género de uma
academia espiritual, sendo o seu primeiro e principal objectivo a aquisição de
conhecimento sobre Vedanta. Os estudantes passam o dia na sala de aula,
sentados no chão por detrás de pequenas secretárias de madeira, escutando Swami
Dayananda ler os antigos textos Sânscritos, parando após cada verso para fazer
comentários elaborados. Quando os estudantes não estão em aula ou engajados nas
tarefas do ashram, estão a estudar separadamente ou em reunião com Swami
Dayananda, que para além de dar 3 longas aulas por dia também está disponível
entre as aulas para discussões menos formais.
Aquilo que achamos mais
intrigante acerca da intensa abordagem escolástica de Swami Dayananda foi a sua, pouco comum, ausência de ênfase na
prática espiritual. O único período formal de prática no ashram são 30 minutos
de meditação pela manhã. Rapidamente viríamos a aprender que as práticas
espirituais não têm um papel significante no programa por uma simples razão:
para Swami Dayananda, elas são irrelevante para o caminho. A única coisa que é
relevante, é o estudo – estudo sincero dos textos sagrados de Vedanta.
De acordo com Swami Dayananda, a
maior parte dos expoentes contemporâneos de Advaita Vedanta estão seriamente
enganados na sua abordagem. Ele pensa que ao exagerarem na ênfase da busca de
experiências transcendentais, eles perderam o foco dos ensinamentos ancestrais.
Ele afirma que no tradicional Advaita Vedanta acredita-se que o único meio
credível para afastar a ignorância e revelar o conhecimento directo do Absoluto
é a própria escritura sagrada. Ele escreve: “Assim como os olhos são o meio
directo para conhecer a cor e a forma, Vedanta é o meio directo... para
conhecer a verdadeira natureza de si-mesmo e resolver as confusões em relação
ao Atma [o Ser].” Assim sendo, ele afirma que apenas ao empenharmo-nos no
estudo disciplinado das palavras reveladas pelos grandes sábios poderemos
alcançar o conhecimento que nos libertará da ilusão.
Alimentado pela sua convicção na
suprema eficácia do estudo das escrituras Swami Dayananda é frontal na sua
crítica aos “místicos” que dizem que o caminho para a iluminação é apenas
através da experiência espiritual. Na realidade, tanto nos seus escritos como
num dos diálogos connosco, ele até chegou a expressar dúvidas acerca da
realização do reverenciado, mas sem instrução, sábio moderno Ramana Maharshi –
acrescentando que poderão existir milhões de chefes de família indianos com um
nível similar de realização!
Embora tais afirmações nos
surpreendam, nós viríamos mais tarde a descobrir através de diálogos com
proeminientes acadêmicos ocidentais de Advaita que sentimentos similares são
tidos por muitos tradicionalistas de Advaita. Até mesmo um Shankaracharya vivo
– o mais importante responsável de uma das 4 instituições monásticas
alegadamente estabelecidas pelo fundador do Advaita, Shankara – também nega a
validade da realização de Ramana, aparentemente pela simples razão que alguém
que não foi formalmente educado em Vedanta não poderia ser totalmente
iluminado.
A nossa visita ao ashram de Swami
Dayananda revelou-se ser um fascinante ensinamento. Durante a nossa estada de 3
dias, encontramo-nos formalmente 4 vezes com Swami Dayananda naquilo que se
constatou ser uma série de diálogos de largo espectro. Durante esse tempo,
aquilo que começou por ser a curiosidade do ashram – um grupo pequeno de
ocidentais com um professor espiritual americano que veio entrevistar o seu
guru – rapidamente escalou num dos mais falados e participativos eventos do
ashram. A partir da nossa segunda sessão, a sala estava repleta de discípulos
que se acotovelavam para escutar a discussão. E entre os encontros
conversávamos com os estudantes ansiosos tanto para discutir algumas questões
que surgiram na entrevista como para sugerir questões para o próximo encontro.
Durante as sessões, Swami
Dayananda revelou-se ser o tradicionalista que esperávamos, partilhando nas
suas respostas às nossas perguntas o seu compreensivo conhecimento tanto da
própria tradição como também das subtilezas da filosofia Advaita. Apesar de
termos deixado o ashram em muitos aspectos
mais esclarecidos acerca das histórias e doutrinas da tradição Advaita,
a nossa visita também levantou algumas questões fascinantes. Assim que o táxi
nos conduziu de volta ao aeroporto, demos por nós a perguntarmo-nos como é
intrigante que dentro duma tradição dedicada à profunda e radical realização do
Absoluto existam autoridades devotas que se sintam compelidas a distanciar-se
dos poderosos místicos realizados que inspiram seguidores da própria tradição?
Se, ao fazer isso, eles estão a preservar a “pureza” da tradição, o que
significa isso sobre a natureza da iluminação, à qual Advaita se propõe a
conduzir?
Ramana Maharshi disse, “Nenhuma
aprendizagem ou conhecimento das escrituras é necessária para conhecer o Ser,
assim como nenhum homem necessita de um espelho para se ver.” Swami Dayananda,
pelo outro lado, disse-nos que “nós não temos nenhum meio de conhecimento para
o entendimento directo da realização pessoal e, assim, Vedanta é o meio de
conhecimento que tem de ser utilizado para esse propósito. Nenhum outro meio de
conhecimento funcionará.”
O que é iluminação? Será apenas
uma mudança no entendimento que pode ser descoberta, como Swami Dayananda
insiste, inteiramente através do estudo dos textos sagrados? Ou será, como
alguns dos mais radiantes exemplos deste ensinamento proclamaram, um mistério
que permanece para sempre para além da mente?
–Craig Hamilton
Entrevista
A entrevista que se segue é um
excerto das mais de 80 páginas de transcrições que documentam uma série de
diálogos entre Swami Dayananda e Andrew Cohen em Fevereiro de 1998.
O que é Advaita?
Andrew Cohen: Nos últimos
vinte anos tem havido um grande interesse sobre Advaita no Ocidente, como sabe,
e, na minha opinião, também tem havido muita confusão acerca deste ensinamento,
tem sido mal entendiso e tem sofrido abusos em alguns casos. Quisemos falar
consigo de modo a pudermos apresentar uma visão tradicional com autoridade.
Assim, para começar, pode por favor explicar o que é a filosofia Advaita
Vedanta?
Swami Dayananda: A palavra
“advaita” é uma palavra muito importante. É uma palavra que nega dvaita que
significa “dois”. “A” é uma partícula de negação, por isso o significado seria
“aquilo que é não-dual”. E revela a filosofia que tudo o que está aqui é Um,
que significa que não há nada para além desse Um, nem é feito de partes. É um
completo sem partes, e Esse é chamado de “Brahman” [o Absoluto], e Esse és tu –
porque o não-dual não pode ser diferente de ti, o indigador. Se é diferente de
ti, então é dual; então tu és o sujeito e ele é o objecto. Assim tens de ser
tu. E, sendo assim, se não reconheces isso perderás a chance de ser o Todo.
AC: Pode, por favor,
explicar os antecedentes históricos?
SD: Os Vedas [escrituras sagradas
Hindus] são o corpo de conhecimento mais antigo da humanidade. E a tradiçãp
olha para os Vedas como não sendo autoria de uma pessoa, mas transmitidas aos
sábios [videntes] como conhecimento revelado. Considera-se que os Vedas são em
última análise transmitidos pelo Senhor como fonte de conhecimento, e é este
corpo de conhecimento que é a fonte do Advaita. As Upanishads [a parte final
dos Vedas] falam sobre a realização de Deus – e elas não apenas falam sobre
isso, elas metodicamente ensinam isso. Aquilo que eu faço hoje é aquilo que é
ensinado nas Upanishads. As próprias Upanishads são um ensinamento e uma
tradição de ensino. E é uma tradição comunicável – não há nada de místico
acerca disso.
Mas eu não penso que advaita está
apenas nos Vedas; eu penso que está em todo o lado – onde quer que esteja a
ideia “Tu és o Todo”. Isso é advaita, quer seja em Sânscrito, Latim ou Hebreu.
Mas a vantagem em Vedanta é que pode ser ensinado e é ensinado. Criamos uma
tradição de ensino, e isso cresceu. Na América quando, de repente, as pessoas
se viram para o vegetarianismo, por exemplo, tudo o que comem é tofu e alfalfa
e pouco mais, porque não há uma tradição de cozinha vegetariana. Demora tempo.
Não se pode criar uma tradição da noite para o dia!
AC: Quem são considerados
os expoentes máximos dos ensinamentos de Advaita?
SD: Têm existido muitos
professores que mantiveram esta tradição cujos nomes nós não sabemos. Mas a
partir das Upanishads podemos dizer: Vyasa, Gaudapada, Shankara, Suresvara –
estes são os nomes que repetimos todos os dias. Mas Shankara ocupa uma posição
central devido ao seu comentário escrito. É o comentário escrito que dá a
tradição de ensinamento e o método de ensinamento, e o método é muito
importante nesta tradição: Como se ensina? Existem muitas armadilhas neste
processo, e um deles é a limitação da linguagem – a limitação linguística. Mas
o ensinamento tem de ser passado através de palavras, o que significa que é
necessário um método – um método através do qual se tenha a certeza que o aluno
entenda, porque a iluminação surge quando o ensinamento ocorre e não depois. É
essa a tradição. Assim Shankara ocupa um lugar importante devido aos seus
comentários, porque ele deixou comentários escritos para nós em folhas de
palmeira. Mas eu não poderia dizer que os outros professores foram menos
importantes.
AC: Antes de Shankara não
existiam comentários escritos?
SD: Existiam alguns. Na
realidade, o que eu estou a ensinar agora todas as manhãs é um comentários a
uma das Upanishads, pelo professor do próprio Shankara, Gaudapada. Existem
outros também – os sutras de Vyasa. Estes sutras são trabalhos analíticos num
estilo de literatura que tem muito poucas afirmações, uma após a outra, para
que possam ser memorizadas. Mas estes, de novo, são parte da tradição de
ensino, por isso são sempre explanados. Escreve-se o sutra e depois ensina-se a
um grupo de pessoas, e este conjunto é o que fica. Depois, quando se recita o
sutra, é lembrado aquilo o que nós chamamos “Tradição.” Na realidade, a
totalidade de Advaita Vedanta é analisada nos sutras.
O Ser está já presente em toda
a experiência
AC: Porque é que pensa que
o estudo das escrituras, ao invés da experiência espiritual, é o mais directo
meio para a realização pessoal?
SD: Realização pessoal,
como eu disse, é a descoberta que “o Ser é o todo” - que tu és o Senhor; na
realidade, tu és Deus, a causa de tudo.
Agora ninguém carece da
experiência de advaita, daquilo que é não-dual – existe sempre advaita. Mas
qualquer experiência é somente boa quanto a habilidade que se tem em
interpretá-la. Um médico ao examiná-lo interpreta a sua condição de uma forma,
um leigo de outra. Então, é necessário interpretação, e o seu conhecimento é
apenas tão válido como o meio de conhecimento que usa para esse propósito.
Como o pequeno Ser, nós não temos
meios de conhecimento para o entendimento directo da realização pessoal, e
então Vedanta é o meio de conhecimento que tem de ser empregue para esse
propósito. Nenhum outro meio de conhecimento será suficiente, para este tipo de
conhecimento, os nosso poderes de percepção e inferência sozinhos não são
suficientes.
Assim eu penso que por si próprio
não há nada mais idiota que a experiência neste mundo. Na realidade, foi a
experiência que nos destruiu.
AC: Tem sido a minha experiência
como professor que para a maior parte dos seres humanos, genericamente falando,
escutar o ensinamento não é suficiente. Geralmente eles precisam de ter algum
tipo de experiência que torne o sentido das palavras óbvio de uma forma
prática, muito directa. E depois a pessoa diz, “Oh, meu Deus, agora eu entendo!
Ouvi isto durante muitos anos, mas agora eu reconheço a verdade nisso.”
SD: Sim, mas mesmo essa
experiência é inútil sem a correcta interpretação. Supunhamos que a sua
sensação de ser um indíviduo separado surge por um momento ou 10 minutos ou até
mesmo uma hora, e então subitamente aquela aparente dualidade parece surgir de
novo. Será que isso significa que o uno verdadeiro Ser se deslocou? Claro que
não! Então porque é que a iluminação requer uma experiência? Iluminação não
depende de experiências; depende de afastar o erro e a ignorância – depende
disso, e nada mais.
As pessoas dizem que advaita é
eterno, e ao mesmo tempo dizem que estão a experenciá-lo numa altura particular
e debaixo de certas condições. Isso não é tradicional! Mas isso é o que ouvimos
em todo lado. A tradição diz: “Aquilo que vês neste momento é advaita.”
Supunhamos que um fulano tem uma
experiência e depois vem e diz, “Eu fui eterno por uma hora.” Tempo nenhum
significa sem início nem fim e isso significa eterno. Quer seja eterno uma hora
ou um instante, é sempre o mesmo. Assim confiança na verdade não pode depender
de um estado de experiência. Confiança na verdade está na clareza do que é.
Caso contrário o que acontecerá é, “Eu fui não-dual Brahman por uma hora e
depois voltei e agora desapareceu.” Depois cada pensamento torna-se um pesadelo
porque quando eu não estou em nirvikalpa samadhi [extática absorção na
consciência não-dual], eu não consigo nem relacionar-me com este mundo; eu
tenho de estar sempre pedrado, sabes? Enquanto que iluminação é apenas conhecer
aquilo que é. Isso é chamado de “sahaja”, que significa “natural”; significa
apenas ver com clareza. Se as pessoas insistem em ter uma experiência em
particular, isso significa apenas que elas não entenderam o ensinamento. Até
agora mesmo, por exemplo, estamos a interpretar as nossas experiências. Por
exemplo, tu estás a experienciar-me neste momento.
AC: É verdade.
SD: E a tua experiência
parece revelar duas coisas: uma é o sujeito, a outra é o objecto. Mas vamos
supor que ambas são uma realidade.
AC: Tudo bem.
SD: Assim não há nenhuma
falta de matéria prima aqui. A experiência de me ver ou ver alguém, ver alguma coisa, ouvir alguma coisa, pensar
alguma coisa – dentro, fora, tanto faz – essa experiência é advaita. E se é
assim, então não nos falta experiência, e portanto não precisamos de esperar
por nenhuma experiência por vir. Qualquer experiência que encontres dentro de
ti, essa experiência revela advaita, revela não-dualidade. E se a tua
interpretação dessa experiência é a de que existe um objecto para além de ti,
então é a tua própria interpretação que é dualidade. Então, é um problema de
cognição, e esse problema de cognição é para ser resolvido.
AC: Cognição de quê?
SD: Deste não-dual! Estou
a falar de uma coisa que é absolutamente desconhecida para mim? Não.
Desconhecida a alguém? De todo. Neste momento, por exemplo, tu vês-me e dizes,
“O Swami está sentado aqui.” Como sabes? Tu dizes, “ Porque eu vejo-o, eu
ouço-o; então está aqui.” Assim eu sou evidente para ti porque tu tens os meios
de conhecimento, tens meios para ver, tens meios para ouvir; então o Swami
está. O Swami está porque ele é evidente para ti, assim como qualquer coisa é
evidente para ti. O sol é, a lua é, o espaço é, o tempo é – todos estes são
evidentes para ti.
O mesmo é verdade da tua
experiência de ti mesmo. Supõe que eu pergunto-te, “Tens um corpo físico?”
“Sim,” tu respondes – porque é evidente para ti. “Tens alguma recordação de
estar em tal lugar?” “ Sim” - porque é evidente para ti. A quem são evidentes?
A ti! Para ti mesmo. Isso significa que és evidente de ti próprio.
Quando é que não és evidente para
ti próprio? Diz-me – quando? É por seres evidente para ti próprio que não
precisas de te tornar evidente para ti próprio. Todas as minhas experiências
ocorrem devido à minha evidência de mim mesmo. Assim sendo, o Ser é agora mesmo
experienciado – isso é o que eu digo. O Ser é experienciado como o conteúdo
final de cada experiência. Eu digo, na realidade, que a nossa experiência é o
Ser.
Em todas as experiência, então, o
que é invariavelmente presente é consciência, e nenhum objecto é independente
disso. E consciência não depende e não tem os atributos de nenhum objecto em
particular. Consciência é consciência, e embora esteja em tudo, transcende
tudo. É por isso que eu digo: isto é advaita, isto é não-dual, isto é Brahman,
isto é ilimitado; em termos de tempo é ilimitado, em termos de espaço é
ilimitado. E, assim sendo, é Brahman e assim sendo tu és já tudo. Este é o
ensinamento, e o que significa é que eu não preciso esperar por nenhuma
experiência porque toda a experiência é Brahman, toda a experiência é
ilimitada.
AC: Mas isto é um ponto
subtil que não é necessariamente fácil de entender sem alguma experiência
prévia directa do não-dual.
SD: Se a pessoa não o vê,
isso significa que eu tenho de ensinar mais; ou talvez o vejam mas mesmo assim
dizem, “Eu ainda tenho algumas dúvidas aqui e acolá.” Mas isso não é um
problema; só precisam de ser esclarecidas.
Primeiro, tu tens uma visão do
que é o conhecimento, e depois, quando as dificuldades surgem, nós tratamos
delas. Eu não digo que não uma matéria da experiência, mas eu digo que a
experiência é sempre a tua própria natureza. Consciência é experiência e toda a
experiência releva o facto do teu Ser ser evidente de si mesmo. E aquilo que é
evidente de si mesmo é, por definição, não-dual. Assim o sujeito e o objecto
são já o mesmo.
Por exemplo, aqui está uma onda
que tem uma mente humana. Ela pensa, “Eu sou uma onda pequena.” Depois torna-se
uma onda grande, engolindo no processo muitas ondas pequenas e começa a
gabar-se, “Eu sou uma onda grande.” Depois perde a sua forma e, de novo,
torna-se pequena, entra em falência – e agora quer, de alguma maneira, chegar à
costa. Mas, a partir da costa, outras ondas dirigem-se ao oceano e do oceano as
ondas empurram para a costa, e esta pequena pobre onda é imprensada,
espremida, no meio delas e começa a
chorar, “O que devo fazer?” Há uma outra onda por perto, uma onda que parece
estar muito feliz, e assim a outra onda pergunta-lhe, “Porque estás tão feliz?
Tu também és pequena – na realidade, tu és mais pequena que eu! Porque estás
tão feliz?” Então outra onda diz, “Ela é uma onda iluminada.” Agora a primeira
onda quer saber, “O que é iluminação? O que é iluminação?” A onda feliz diz,
“Então, vá lá! Tu deves saber quem tu és!” “Tudo bem. Quem sou eu?” E a onda
iluminada diz, “Tu és o oceano.” “O quê? Disseste que eu sou o oceano por causa
de toda esta água que me sustém e para a qual eu voltarei? Esse oceano sou eu?”
“Sim, tu és o oceano.” E ela ri-se. “Como posso ser o oceano?” Isso é como
dizer que eu sou Deus” O oceano é todo-poderoso, penetra tudo, é tudo. Como
posso ser o oceano?”
Assim podemos preterir a
afirmação de Vedanta da realidade não-dual, ou podemos perguntar, “Como assim?
Como é que eu sou Isso?” O ensinamento não-dual não é necessário se a nossa
identidade é óbvia, se o que é aparente para nós não é uma diferença mas uma
essencial não-diferença. Não existe onda sem água, e não existe oceano sem
água. Todas as ondas, e o oceano todo também são uma só água.
Realização não-dual e acção no
mundo
AC: Um dos assuntos em que
estou interessado é a relação entre a realização não-dual que tem vindo a
descrever e a acção no mundo de tempo e espaço. Por exemplo, no mundo empírico,
na realidade empírica, até mesmo a alma realizada que não tem dúvidas acerca da
sua verdadeira natureza descobre que ainda tem que tomar partido – contra, em
oposição – as forças da ilusão ou negatividade que lá operam.
SD: Nós não devemos impôr
uma regra como deve ser ou tem de ser – ela pode tomar partido.
AC: Pode tomar partido?
SD: Sim. Porque assim que
é livre, quem define regras para ela? Se ela é suficientemente livre para o
fazer ela, também, é igualmente livre para não o fazer – isso é o que eu digo.
Ela irá espontaneamente fazer o que ela tem que fazer. Talvez ela pense que
toda a gente esteja bem. Na realidade, isso é o que a verdade é. Porque até que
me digas que tens um problema comigo, eu não tenho um problema contigo.
AC: Mas digamos, por
exemplo, que a alma realizada está sentada numa sala e então um assassino entra
e começa a matar gente. Algumas pessoas poderão dizer, “Bem, é tudo um Ser e
não há oposição, e assim não há necessidade de interferir.” Mas outra pessoa
qualquer poderá dizer, “Eu não tenho escolha; eu tenho de interferir.”
SD: Porque não deveria
interferir? Claramente, naquele nível, existe dor.
AC: Sim.
SD: E talvez e não esteja
sequer a matar, talvez ele esteja apenas a usar linguagem abusiva. Porquê que
esta alma realizada não deverá dizer, “Homem tonto, muda a tua linguagem. O que
estás a fazer?” Para que o possa ajudar; ela pode ajudá-lo a mudar. E pode
fazê-lo sem criar um grande problema para ele; ela pode estar zangada sem
causar raiva a este fulano, ela pode conversar com essa ele e fazê-lo ver que
está a ser abusivo devido ao seu passado e ajudá-lo a mudar. Isso é o que ela
fará. Mas não podemos dizer que ela deverá corrigir. Para isso, quem fará as
regras para mim? Supunhamos que alguém é iluminado; quem deverá elaborar as
regras para essa pessoa, para a pessoa iluminada? Ninguém tem que estabelecer
as regras pois ela está acima de todas as regras.
AC: Ela está acima de
todas as regras?
SD: Sim, ela está acima de
todas as regras e não está sujeita a nenhuma. Niguém pode objectivar o Ser; não
há uma segunda pessoa para objectivar o Ser. E assim o Ser não é objecto de dor
ou culpa, e assim está livre de dor e culpa. Em outras palavras, não é nem um
sujeito nem um objecto, e se é assim, então “dever” não se enquadra – nem
sequer na ideia de transação empírica – porque isso não é o assunto. O assunto
é: Aqui está uma pessoa que tem um certo problema e então é abusiva, e essa
pessoa pode ser ajudada. Por isso, claro que ela vai ajudar!
AC: Obviamente que tudo
aquilo que está a dizer é completamente verdade porque, em última análise, o
não-dual não pode ser afectado e não tem preferências. Mas o que estou a dizer
é que há sempre um profundo efeito na personalidade humana naquele que realizou
o não-dual, e estou a usar este exemplo extremo apenas para realçar que algum
critério tem que existir. Por exemplo, historicamente, indivíduos que
profundamente realizaram este Absoluto não-dual expressaram natureza satívica,
expressaram ausência de ego. Então embora eu saiba que a iluminação assume
muitas formas, e a expressão de iluminação seja diferente em pessoas
diferentes, ainda assim, fundamentalmente, há sempre uma expressão de abnegação
e compaixão que nos permite dizer que se uma pessoa fosse realmente realizada
ela não seria capaz de agir de uma forma tão profundamente centrada em si
mesma. Assim sendo, há certamente coisas que uma pessoa não faria se ele ou ela
fosse uma pessoa iluminada. Esse é o meu ver.
SD: Então como julga uma
pessoa iluminada?
AC: Bem, se ela estivesse
a violar ou matar pessoas, então poderíamos, pelo menos, dizer, “Esta não é uma
pessoa iluminada.” Correcto?
SD: Mas isso, de qualquer
forma, não entra na história porque no sistema tradicional essa pessoa tem que
ter passado por uma vida de rigoroso treino moral e espiritual, e apenas depois
é iluminada, e esse fulano não o fez, sendo assim tem ainda, claramente, alguns
problemas. No entanto, há uma afirmação: “É necessário um sábio para reconhecer
outro sábio.” Se fores sábio, então não precisas outro sábio para te tornares
sábio; em caso contrário, precisas um sábio, mas porque não o és, não o
consegues discernir. Estás impotente. Assim, o critério para ser um sábio, digo-te
agora – para saber se ele é sábio ou não – é se ele te faz sábio. Assim ele
sabe. Esse é o único critério, e não um outro porque as formas que a sua
compaixão podem assumir são muito variadas e com todas as nossas acções nem
sempre consolamos as pessoas.
O Místico e o Vedantin
AC: Shankara e Ramana
Maharshi são considerados como sendo dois dos maiores expoentes de Advaita
Vedanta e da realização advaita. E, ainda assim, eu sempre me perguntei porquê
que os ensinamentos de Shankara levaram à criação de um sistema monástico no
qual se é encorajado a renunciar ao mundo para seguir duma forma séria a vida
espiritual, enquanto que muitas vezes quando as pessoas perguntavam a Ramana
Maharshi – que era um renunciante - “Mestre, deverei abdicar do mundo?” ele
encorajava-as a inquirir a natureza de quem queria abdicar do mundo, e
desencorajava-as de tentarem fazer mudanças externas nas suas vidas.
SD: Shankara é apenas um
elo na tradição, como disse anteriormente. Ele não é o autor de algum sistema
particular ou ordem monástica. É verdade que ele próprio ele um sannyasi, um
renunciante – enquanto jovem renunciou a tudo – mas um sannyasi é diferente de
um monástico.
Um sannyasi não pertence a
nenhuma ordem monástica. Ele é simplesmente um não-competidor na sociedade. Ele
é uma pessoa que ganhou uma certa maturidade, uma certa compreensão
discriminativa, o que o faz perseguir conhecimento espiritual de uma forma
dedicada. Na era de Shankara, tal pessoa era absolvida de todos os deveres
familiares, sociais e religiosos num ritual no qual ele dizia “Abandono tudo.
Não compito. Eu não estou interessado em dinheiro ou poder ou segurança ou
nalguma outra coisa.” Isto é um sannyasi. Ele não é um membro de uma
organização ou de uma ordem. Não há um mosteiro para proteger esse fulano. Ele
está “debaixo do céu”.
Mas existe ainda um nível mais
profundo de renúncia no qual este sannyasi, este renuncianate, tem que ganhar,
e isso é o conhecimento que “Eu não sou o autor, eu não sou o que desfruta, eu
nunca fiz nenhum karma, nenhuma ação, antes” - conhecimento directo do Ser
não-dual, que é inactivo. A acção está sempre lá enquanto aquele que faz
estiver lá. Mesmo “não-fazer” é uma acção. Assim a liberdade da autoria da
acção que acompanha o conhecimento do Ser não é um acto de desistência. É: “Eu
sei e assim sou livre. E então não há escolha.” Isto é o chamado verdadeiro
sannyas, a verdadeira renúncia de todas as acções em todos os tempos, e isso é
iluminação.
AC: Não é verdade que
Shankara começou uma tradição monástica?
SD: Não, ele não começou
nenhuma tradição monástica. Dizem isso, mas porque ele era um professor popular
e porque era um sannyasi. Os seus discípulos tinham mosteiros que eles tinham
criado, mas não eram uma nova ordem. Alguns dos seus discípulos foram talvez enviados
para sítios diferentes, mas nós não sabemos se eles foram enviados por ele ou
não. Eu penso que eles foram por si mesmos – ele não enviou ninguém para lugal
nenhum. Era assim que eu seria se eu fosse Shankara; eu diria, “Ide onde
quiserdes!” Se uma pessoa pequena como eu faria isso, então não penso que
Shankara o fizesse de modo diferente. Então já tratamos de uma percepção.
Depois há Ramana. Algumas pessoas
dizem que Ramana é o maior, aquele que no mundo moderno atingiu advaita. Essa é
a ideia porque ele é conhecido para alguns, mas poderão existir milhões de
desconhecidos que nós não conhecemos – alguns mesmo podem ser chefes de
família, pessoas domiciliárias, ou apenas as comuns donas de casa. Na Índia,
não podemos subestimar estas pessoas; algumas destas mulheres são iluminadas.
São mesmo! E elas podem ser donas de casa, mães de dez crianças. Não o sabemos.
Índia é um país diferente. Não existe um critério para definir se uma pessoa é
iluminada ou não. E assim diz-se que Ramana foi um iluminado, mas nós devíamos
perguntar-lhe, “Você é iluminado?” E ele diria, “Porque quer saber? Quem és tu
que queres saber? Descobre quem tu és.” Ele descobriu esta forma de falar com
as pessoas que não requeria que ele respondesse qualquer questão. Um fulano
chega e pergunta, “Quem é Deus?” e ele responde, “Quem és tu que fazes esta
pergunta?” Esta é uma forma de responder a perguntas que ele adoptou como uma
tentativa de virar a pessoa para ela própria. Assim, a sua atenção não era em
relação a um estilo particular de vida. Ele não encorajava sannyas nem outra
coisa qualquer. Ele apenas dizia às pessoas: “Entendam quem vocês são. Isso é
que é importante.”
AC: Na realidade, se as
pessoas dissessem que queriam deixar a sua família e quisessem tomar sannyas,
ele desencorajava isso.
SD: Todo o sannyasi dirá o
mesmo, porque senão todas essas pessoas iriam acabar no ashram. Certamente eu
diria o mesmo neste caso, porque qualquer pessoa que diz, “Eu quero abandonar
tudo” tem um problema.
AC: Porquê?
SD: Porque ela tem dúvidas!
Se ela não tivesse dúvidas ela já teria abandonado; ela não teria vindo
perguntar-me. Porque a manga, quando está madura, liberta-se; não pergunta,
“Deverei libertar-me?” Ramana não era burro; ele sabia exactamente o que
deveria dizer. Se eu fosse ele, sabes o que diria? Eu diria à pessoa, “Não
precisas de mudar nada. Fica onde estás; é uma mudança de visão.” Até Shankara
diria o mesmo o mesmo. Shankara tinha apenas 4 discípulos. Ele viajou por todo
este país a pé, o que significa que ele encontrou milhares de pessoas, no
entanto ele tinha apenas 4 discípulos! Isso significa que ele estava a
aconselhar todo a gente, “Fiquem onde estão.”
AC: No entanto, ao mesmo
tempo, daquilo que ouvimos, tanto Jesus como Buddha encorajaram as pessoas a
abandonarem tudo e seguí-los para obterem a vida espiritual. Então esta é uma
questão intrigante.
SD: Eles encorajaram, eles
encorajaram – não sei para quê. Talvez eles quisesse que as pessoas passassem
algum tempo com eles. Mas o valor de uma vida contemplativa sempre existiu na
tradição Védica, e uma vida contemplativa pode ser vivida em qualquer lugar. E
na vida contemplativa tu podes estar no meio de todas as actividades ou podes
estar sozinho e não estar contemplativo.
AC: Num dos seus livros,
faz uma uma distinção entre um místico e um Vedantin. Quando se refere, por
exemplo, a Ramana Maharshi como um místico, você parece distinguí-lo de algumas
maneiras de um Vedantin, e já que muitas pessoas o consideram a quintessência
de Vedanta, estou curioso em saber qual é essa distinção.
SD: A única diferença é
que um místico não tem os meios de comunicação para te tornar um místico, um
místico igualmente grande como ele próprio
AC: Para dissipar a
confusão empírica – é a isso que se refere?
SD: Sim. Supunhamos que
este místico tem o conhecimento de ser sempre o Todo – esse tipo de experiência
mística. Então essa pessoa é um místico, mas ela não tem os meios de
comunicação para partilhar essa experiência. Se ela tiver os meios de
comunicação para tornar uma outra pessoa igualmente mística então não há nada
de místico naquilo que sabe. Assim, eu não a chamaria de “mística”; eu
chamaria-a de “Vedantin.”
AC: No caso de Raman, toda
a gente dizia que ele comunicava através do silêncio.
SD: De novo, isso é uma
interpretação, porque muita gente que eu conheço que foi até ele voltou dizendo
que ele não sabia coisa nenhuma.
AC: Mas também há muita
gente que disse que tiveram experiências profundas na sua presença.
SD: Cada um tem que
interpretar à sua maneira. Mas só podemos dizer que alguém é Vedantin desde que
ensine Vedanta!
Tradução do Prof. Gustavo Cunha. Retirado de: http://www.wie.org/j14/dayananda.asp?page=1.
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