A pergunta, embora directa, não
é simples. A resposta, embora indirecta ou abstracta, é
inversamente simples – tudo depende do ponto de vista do seu autor.
Os conceitos e significados das palavras Yoga e Religião, transcendem
o seu correspondente etimológico, ganhando forma e vida no contexto
em que estão inseridas.
Assim, se tomarmos a palavra Yoga no
contexto judaico-cristão ocidental, afirmaria peremptoriamente que
NÃO, yoga não é religião, no sentido em que não
é regido por nenhum dogma e, acima de tudo, no sentido em que
não me coloca num plano de inferioridade em relação a Deus. Pelo
contrário, o Yoga aponta para a comunhão com Deus, entendido como
a única realidade.
Um etimologista poderia contra-argumentar,
recuperando a etimologia das duas palavras. A palavra Yoga, que deriva
da raiz yuj, significa unir ou religar e a palavra religião
tem o mesmo significado, pois deriva do latim religare, que significa
religar. Neste sentido, SIM, Yoga é religião.
E poderíamos continuar aqui a inumerar
um sem fim de perspectivas, escolas, teorias e pontos de vista, uma
vez que a polémica da questão já a fez circular um pouco por todos
os cantos do mundo e meios onde o yoga se instalou. Importa, no entanto,
neste texto deixar a minha visão do tema, limitada, pessoal e possivelmente
errada à luz de muita gente.
Eu voto NÃO. Yoga não é
religião. Há muito que deixei de olhar para o Yoga como uma ginástica
de elasticidade e contorcionismo e compreendi a dimensão mais subtil
envolvida na prática, bem como a tradição de ensinamento que enquadra
a minha postura e atitude perante o Yoga – o Vedanta – o Yoga transcende
o universo de alcance da religião. Inegávelemente existe uma dose grande
de espiritualidade envolvida, existe um código de conduta, mas acima
de tudo existem Valores Universais, que a maior parte das religiões
parecem negar. Li, uma vez, um texto de Swami Dayananda em que este
relatava uma conferência inter-religiosa na qual o próprio Swamiji
lançou a questão dos Valores Universais, ou seja, comuns a todas as
religiões e culturas. Todos os representantes dos diferentes dogmas
recusaram-se a reconhecer a existência de tais valores perante o espanto
do “pobre” Swamiji que em vão tentou argumentar com AHIMSA (não
violência) e Satya (verdade). Ora já aqui encontramos uma clivagem
a meu ver intransponível.
Depois Yoga dependerá de fé? Existe
shradda sim, uma considerável dose de confiança que devemos ter
no Mestre, nos textos, no método de ensino em si, mas até isso acaba
por cair quando somos confrontados com a verificabilidade da maioria
dos factos cruciais dentro do Yoga. Karma, por exemplo, toda
a acção traz um efeito, mesmo uma oração. O efeito visível é,
pelo menos, a sensação de conforto e paz interna que a sucede. A visão
do mundo como um palco de nomes e formas (nama rupa), os diferentes
meios de conhecimento, a impossibilidade de observador e observado serem
o mesmo…Tudo isto é comprovável e verificável.
Confesso que inicialmente, quando comecei
a prestar mais atenção ao Yoga e menos à ginástica do tapete,
expressões como Ísvara Pranidhana, a entrega a Deus, me faziam
muita confusão. “Mas que história é esta de entrega a Deus, mas
a vida é algum sacrifício feito em nome de alguém que está no céu
e que eu nem conheço?”. Foi precisa a referida Shradda para
continuar a prestar atenção e perceber que Deus sou no fundo eu também
e que a beleza da vida é pertencer a esse Todo universal, sendo que
entregar-se significar alinhar-se com ele, agir de acordo com o Dharma,
com a Ordem Universal que nos guia e, assim, conseguir um dia perceber
que aquilo que buscamos é aquilo que somos. Yoga é o caminho para
essa compreensão e assim
à expressão “Yoga é Religião” eu contraponho
a expressão “Yoga é dharma”. |