atha yoganushasanam || 1||
Agora, o ensinamento do Yoga
Comentário de Vyása[1]:
“O termo “agora” foi usado no sentido de indicar autoridade, qualificação e começo do objecto de estudo, para que a ciência chamada Yoga seja conhecida como objecto de estudo cuja instrução é dada por aqueles que têm autoridade àqueles que estão qualificados[2]. Yoga é Samádhi. É o atributo universal da mente, permeando todos os seus planos. Frenético (kshipta), dormente (múdha), oscilante (vikshipta), concentrado num ponto (ekágra) e dominado (niruddha) são os cinco planos mentais.
Na mente oscilante, o samádhi subordinado pela distracção, não se inclui no âmbito do Yoga. Por outro lado, aquele (samádhi), - que acontece na mente uni-direccionada, ilumina a realidade existente, destrói as aflições kleshas, liberta as amarras do karma e possibilita o controle (nirodha), - é chamado de samprajñáta samádhi. Como explicaremos depois, é acompanhado de pensamento discursivo (vitarka), pensamento subtil (vichára), êxtase (ánanda) e sentido de eu (asmitá). Todavia o samádhi a-cognitivo (asamprajñáta) ocorre quando todas as modificações ficaram sob controlo.”
Este sútra poder-se-ia traduzir também como – Agora, neste momento auspicioso começa a instrução sobre a disciplina do Yoga seguindo a tradição passada.
A palavra atha, da mesma forma que a palavra Om, é considerada auspiciosa. Por isso, muitos mantras começam com o Om. E também por isso vários textos começam com a palavra atha. É o caso dos Brahma-Sútras e também o dos Yoga-Sútras.
Atha, agora, encerra em si muito do significado do Yoga. O Yoga ensina a viver o presente de forma atenta. O passado é o reflexo da memória e o futuro da imaginação. O Yoga é o aqui, agora. O primeiro Sútra é, por isso, também um suporte de meditação – Agora, o ensinamento do Yoga ... Agora, o Yoga ... Agora... Outra vez Agora ... Sempre Agora ... Atha.
Como já se deixou dito, o ser humano tem tendência a seguir um padrão de comportamento, no qual projecta a sua felicidade na aquisição de objectos, relações, experiências ou quaisquer outras situações. Invariavelmente, essas situações não existem no presente. São algo a ser conquistado. Num dado momento, o ser humano percebe o engodo por trás daquele padrão. Percebe que mesmo depois de alcançar o que antes perseguia, a felicidade é efémera e cedo lhe volta a escapar. É então que muitos iniciam uma busca espiritual. Dir-se-ía, então, que estariam no caminho certo. Sucede, no entanto, que muitas vezes só o objectivo muda, mas o padrão mantêm-se. A felicidade e a iluminação são projectadas num momento futuro, dependentes do domínio de alguns meios. Esses meios variam: práticas de Hatha Yoga, Jñána Yoga, Rája Yoga ou Bhakti Yoga. As práticas sucedem-se e o objectivo continua a ser colocado no futuro. Alguém disse: “Não há caminho para a felicidade, a felicidade é o caminho” – Santosha, svádhyaya. A palavra atha traz-nos ao presente. Aqui. Se o que procuramos é absoluto, felicidade sem limites, ela também não pode estar limitada pela quarta dimensão – a do tempo – por tanto, ela existiu, existe e existirá. É necessário percebermo-lo e mudarmos o nosso centro de referência.
Como também sugere Vyása, Patañjali não foi o criador do Yoga. Patañjali era alguém com autoridade suficiente, a de um guru, para passar adiante o ensinamento. Vários textos falam de Hiranyagarbha, que significa literalmente, o ventre dourado, como o primeiro Mestre. A mitologia costuma apontar Shiva como o criador do Yoga. Na verdade referem-se ao mesmo início.
Quanto ao que seja Yoga, Vyása é curto e elucidativo: Yogah samádhih. Yoga é samádhi. Mais diz: “é o atributo universal da mente (chitta), permeando todos os seus planos.”
Segundo o Samkhya, o Purusha é pura consciência, um simples espectador inactivo. Porque Purusha e Prakrti têm realidades ontológicas diferentes, nunca se associam. Assim, Purusha nunca é afectado pela actividade dos gunas da Prakrti. Permanece sempre puro, pura consciência, chit. Ora, sendo a mente (chitta) uma modificação de Prakriti, a actividade e diferentes estados como o de vigilia, sonho ou sono profundo pertencem-lhe. Purusha, o Ser, permanece no seu estado natural de samádhi ao longo de todo o processo de manifestação e, por isso, o samádhi permeia todos os planos da mente como seu substrato. Se assim, não fosse, se o samádhi não permeasse toda a nossa existência – inclusive neste exacto momento – o Yoga conduziria apenas a um estado relativo, com início, e por isso também fim. Seria um estado temporário, uma experiência, e estaríamos caídos naquele engodo que acima referimos. Não é esse o ensinamento da tradição do Yoga.
Ao afirmar que Yoga é samádhi, Vyása clarifica ainda que Yoga não é esvaziar a mente. Como será descrito nos sútras seguintes, o samádhi pode ser congnitivo (samprajñáta) e acognitivo (asamprajñáta). Como o próprio nome sugere, o primeiro dos samádhis acontece com um objecto de concentração determinado (que varia consoante os estágios). Ou seja, no samprajñáta samádhi o pensamento mantém-se.
Quanto ao asamprajñata samádhi (acognitivo), do ponto de vista experimental parece ser idêntico ao jñána (conhecimento – brahmavidyá) do Vedánta. Já do ponto vista formal das tradições, as opiniões dividem-se. Alguns identificam-nos como sinónimos, outros ressalvam algumas diferenças, ora aderindo mais ao Samhkya, ora ao Vedánta.
[1] Os comentários de Vyása foram traduzidos para o português pelo autor a partir das traduções de Bangali Baba e Swami Veda Bharati; Bangali Baba, Yogasútra Patañjali with the Commentary of Vyása, 1º Edição, Motilal Barnasidass, reimpressão de 2005, Dheli, Índia e Swami Veda Bharati, Yoga-Sútras of Patañjali with the exposition of Vyása, Vol.I, 1ª Edição, The Himalayan International Institute of Yoga Science and Philosophy of the U.S.A., Honesdale, 1986.
[2] Ou como traduziu Bangali Baba “O ensinamento final do Yoga” deve ser entendido no sentido de que “a primeira porção da ciência do Yoga foi conquistada”. |