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Ensinamento

Entrevista de Goura Nataraj aos Cadernos de Yoga
Cadernos de Yoga
05-01-2010


Goura Nataraj é um estudante do Yoga, um yogi e um ativista. Nasceu em 1979 em Curitiba, onde temgoura_e_rose_gazeta algumas de suas raízes. Como ele mesmo diz, buscou no estudo do Yoga e da filosofia um questionamento profundo sobre o sentido da existência e o significado de suas ações. Precisava entender a angústia e o sofrimento. Entender a insensatez. Goura fez a graduação e mestrado em filosofia pela UFPR e coordena, junto com outros professores, o Govardhana Yogashala, centro de cultura, estudos e práticas do Yoga. Desenvolve pesquisas relacionando Yoga, filosofia, arte e política.   

Goura é defensor da bicicleta como meio de transporte urbano e organiza, em Curitiba, ações coletivas de conscientização não apenas do uso da bicicleta, como também da ocupação inteligente do espaço.  

Nesta entrevista Goura Nataraj relaciona o Yoga com o ativismo urbano. Com clareza de pensamento e precisão de palavras faz-nos refletir sobre o nosso papel social, político e ecológico como yogis, como buscadores da liberdade.    


 
O que é o Yoga engajado, o assim chamado Green Yoga?   

No mundo todo um movimento crescente de idéias propõe um novo modelo de organização da vida, das cidades e do tempo. Um sistema onde contemplação, ar puro e harmonia com a natureza estejam presentes. Uma nova perspectiva de vida. O papel que o dinheiro, o consumo, a mídia que aliena e o automóvel individual exerce em nosso imaginário está excluído deste novo paradigma. As pessoas irão usar as coisas para chegarem mais próximo umas das outras, não para se afastarem ainda mais. As cidades podem ser outras, se as pessoas forem outras, se de alguma forma se desenvolvam “espiritualmente”, ou seja, cultivem sua vida interior com liberdade e intensidade. Estas ações almejam, no fundo, este tipo de coisa. Não é simplesmente querer espaço para andar de bicicleta, mas questionar a necessidade de se locomover e consumir petróleo para isso. É refletir sobre a criação industrial de animais - não é isto uma terrível violação de ahimsa? O vegetarianismo, a bicicleta, a simplicidade no viver são atos políticos. O Yoga é verde ao defender uma profunda harmonia entre o homem e a natureza, ao prescrever um estilo de vida sem ostentação e superficialidade, ao contribuir de muitas formas distintas no desenvolvimento de um pensamento ecológico moderno.

 
Quais as implicações positivas de adotarmos a bicicleta como meio de transporte?

 
Ao usarmos a bicicleta no dia-a-dia estaremos em contato efetivo com o corpo e com o mundo. Este é, a meu ver, o principal ganho que a bicicleta nos proporciona. Com ela sentimos o sangue e a respiração, o coração batendo mais forte, o cérebro mais irrigado. Isto pode ajudar no objetivo do yogi, o conhecimento de si mesmo. Além disto o ciclista está, através do corpo, em contato direto com a cidade. Ele é ativo em seu relacionamento com ela. Cria suas rotas, encontra as pessoas, é atento aos detalhes da cidade, a coisas que os motoristas ignoram em seus destinos controlados.

O Pedro Kupfer certa vez me disse das palavras da professora Micheline Flak quando se conheceram: "A bicicleta é o único veículo digno de um professor de Yoga."   

Quais são os empecilhos para isso?  

Uma visão preconceituosa que ainda vê o carro como símbolo de ascensão social, que não é capaz de ver a igualdade de todos os seres. Que cria um urbanismo subserviente à economia, às especulações imobiliárias, que faz das cidades um não-lugar, um espaço carente de vida, de natureza e silêncio. Tudo é agitação insensata e movimento frenético sem objetivo. Podemos viver melhor sem estas coisas.

É necessário que as pessoas se sintam ligadas afetivamente ao espaço, que construam suas histórias pessoais re-significando o ambiente em que vivem, dando sentido e valor às árvores que as rodeiam, as construções, parques, rochas, lagos, praias e retiros secretos. Dá pra começar vendo menos televisão, passando menos tempo no computador, consumindo de maneira consciente e ocupando as ruas. Não é necessário esperar o poder público. As ciclovias decentes só virão quando a demanda se manifestar com mais força.   

Qual a relação entre o estilo de vida yogi e estes questionamentos?   

Devemos buscar um estilo de vida mais simples, mais conectado com as coisas reais, que preveja a responsabilidade que temos com os nossos resíduos (lixo) e com os recursos do planeta. O Yoga se soma na crítica geral a sociedade contemporânea. Como deixar de criticar esta sociedade em sua loucura destrutiva, que não respeita a terra, as águas, o ar, as montanhas e todos os ambientes sagrados que foram constituídos pelo trabalho de eras e eras? A crítica é global, eu diria. Buscar a liberdade da consciência é estar disposto a encarar todos os dogmas e preconceitos. O Yoga pode ajudar este movimento de resistência fornecendo um arcabouço filosófico e prático para realização de moksha, liberdade. Existe política em nossas ações. Tudo o que fazemos é política, é intervir no andamento da comunidade. Uma verdadeira cultura de paz irá se constituir, com uma forma diferente de perceber os outros e si mesmo. Uma cultura que valoriza o silêncio, a simplicidade, o alimento sem venenos, a cultura do espírito, o conhecimento e a meditação. Como yogis devemos agir de maneira consciente e deliberada na direção do dharma. Vivemos em sociedades e podemos influenciar o rumo das coisas.

 

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Qual é o desafio e o papel do yogi na sociedade em que vivemos?  

Um yogi é alguém que busca a liberdade, que não se conformará com menos do que isto. Que recusará toda formatação e será certamente crítico de toda ignorância. Pessoalmente estará sempre bem, pleno e pacífico, vivendo de acordo com o dharma, a harmonia com o todo. Verá, no entanto, a confusão, a ilusão e a ignorância trazendo as pessoas a um nível cada vez maior de ansiedade. Será dominado pela compaixão, pelo amor. O desafio é cultivar apropriadamente a árvore da compaixão. Não fazer com que ela se enfraqueça por sentimentos de culpa, ódio e inveja ou se transforme em fraqueza imobilizadora - pena de si e dos outros.  

A compaixão aparece aqui como força criadora. Se observamos que o ideal de compaixão (kpa, karuna), presente tanto no budismo como nas tradições mais antigas dos Vedas, é o caminho de libertação do ego, das ilusões deste grande enganador, então a atuação de um yogi, seu karma, irá fortalecer a semente compassiva, libertando a si mesmo e girando a roda do dharma no sentido da harmonia. O Yoga é revolução, no sentido em que não admite nenhuma heteronomia. Cada ser deve guiar-se a si próprio, encontrar sua legislação interna, sua autonomia. O sábio não se lamenta por ninguém, nem pelos vivos e nem pelos mortos, diz Krshna na Gita.   

Para fundamentar seu apelo a um Green Yoga, Feuerstein fala de compaixão e da posição do príncipe Arjuna em sua conversa com Krshna. O engajamento de Arjuna com o Yoga, sua determinação de lutar simplesmente por lutar, sem ansiar por recompensa, honra ou qualquer tipo de ganho, de desprezar igualmente toda ofensa e insulto, deve ser trazido à memória. É necessário um nível de comprometimento semelhante. Krshna não cansa de repetir: "Lembre-te de mim e lute!"  

A compaixão como fundamento da ética também é a conclusão apresentada por Schopenhauer em sua metafísica da Vontade. Ela faz com que o sujeito se reconheça no outro. Ele é o outro.

Disse então o filósofo: "Os leitores de minha ética sabem que, para mim, o fundamento da moral repousa em última instância sobre aquela verdade que está expressa no Veda e Vedanta pela fórmula mística tat tvam asi (isto és tu), que é afirmada com referência a todo ser vivo, seja homem ou animal, denominando-se então o Mahavakya, o grande verbo." (Parerga e Paralipomena - 115)   

Na Bhagavad Gita lemos o termo sama-darinah, a visão igual, equânime, que não odeia, não anseia e não teme. Que garante a existência a todos os seres e age com este sentimento de igualdade.   

Existem múltiplos desafios para esta perspectiva ser reconhecida como verdadeira. Talvez nunca será efetivamente, pela grande massa. O Yoga segue adiante, mostrando uma mensagem verdadeiramente universal, ou seja, não limitada por tempo ou espaço, que é contra todo dogmatismo e fanatismo de qualquer espécie. O conflito com os contemporâneos parece antes ser mais a regra do que a exceção.


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