No âmbito de da cadeira de Introdução às Religiões da Ásia, na Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, o meu amigo, e também Prof. de Yoga, António Matos fez-me uma extensa entrevista sobre o Hatha Yoga.
Uma vez que pouco tenho escrito sobre alguns desses temas, deixo aqui algumas respostas que poderão ter algum interesse.
6 - Hatha yoga é o "yoga da harmonia do Sol e da Lua (+ e -)" ou é o "yoga da força/violência"? Como definiria Hatha yoga?
A palavra Hatha aponta exactamente para esses dois significados. A força aponta para a força da disciplina e potencia das suas técnicas e a união entre sol e lua, aponta o foco do Hatha que é o prana. A definição do Hatha tem de ser feita pelo seu propósito. Isso por si, elimina todos os equívocos associados ao Hatha Yoga e deixa-nos no caminho certo. O Hatha Yoga visa moksha, o auto-conhecimento e a libertação, e para isso faz uso do ensinamento dentro das upanishads e de uma série de técnicas para a preparação do corpo e da mente como os shat karmas, asanas, pranayama, mudras, mantras e meditação, entre outras. No centro das técnicas que usa está não o asana, mas o prana.
A grande confusão está na tendência para querer dividir e encaixar o Yoga dentro de gavetas. O Yoga dentro da tradição védica é um só, porque cada abordagem dá-nos uma preparação necessária para o conhecimento de si mesmo.
7- Como o Hatha yoga se insere na tradição mais vasta e antiga do yoga, nomeadamente em que medida o Hatha yoga faz parte da cultura vaidika?
A base do Hatha Yoga, enquanto visão da natureza do mundo e do Homem, assim como enquanto prática é, sem dúvida, vaidika. A esse propósito leiam-se Autores de referência como David Frawley, Georg Feuerstein ou Mikel Burley.
Essa fundação védica do Hatha pode ser encontrada em diferentes Upanishads como Katha, Kaivalya, Maitri ou Shvetashatara Upanishad. Por outro lado, com a queda do mito da invasão ariana, até os motivos históricos apontados para uma quebra de continuidade no pensamento indiano caíram por terra.
Certo é que na Hatha Yoga Pradipika, I, 18, enumera-se como nyamas para o hatha yogi, astikyam, ou seja aceitar o Veda como meio de conhecimento.
26 - Chakras, nadis e Kundalini são linguagem simbólica ou correspondem a realidades psico-físico -energéticas?
De facto, há quem olhe para eles dessas duas formas. Não me parece que uma exclua a outra. No segundo sentido entramos no domínio do pranamayakosha, aspecto que é feito de prana. Olhando de uma perspectiva maior para o conhecimento que nasce dos vedas existe uma relação e interacção entre os tattvas (elementos) chakras, doshas e os bijas mantras. No centro dessa relação estão os cinco elementos e o seu equilibrio. Assim, quando olho para os chakras não vejo uma prática diferente ou separada, mas se quisermos um aspecto mais subtil do equilibrio dos elementos. Lembro a este propósito que cada chakra tem associado um elemento e que na verdade o bija mantra do chakra é o bija mantra do elemento.
27 - O que é Kundalini neste contexto?
A kundalini é o potencial do prana, prana shakti ou kriya shakti. O David Frawley diz uma coisa muito interessante que talvez surpreenda os mais desavisados; diz ele que a kundalini não é uma força física, bem como uma energia que podemos manipular pela força da motivação pessoal. A kundalini é uma forma concentrada de energia de atenção e estar desperto. O acordar da kundalini acontece quando prana é retirado da sua fixação no corpo e numa existência baseada no desejo do mundo externo.
28 - E prana/pranayama?
Prana é o prana J. Há quem lhe chame energia, alento vital. Mas o melhor é chamar-lhe prana e reconhê-lo como aquilo que mantêm o corpo físico vivo. O prana pode ser dividido de forma didáctica de acordo com as suas funções. O pranayama é a ciência que nos ensina a lidar e manipular esse prana.
29 - O que são mudras na tradição do Hatha yoga?
Os mudras do Hatha Yoga são um tema nem sempre bem compreendido. Alguns julgam-nos apenas gestos das mãos, os chamados hasta mudras. No entanto, existem outros, técnicas específicas que são feitas com o corpo. Não são asanas, não são hasta mudras, não são pranayamas, não são exercícios de concentração ou de visualização, mas uma combinação de todas essas técnicas ou de parte delas. Certo é que são técnicas avançadas que apenas devem ser executadas uma vez dominados, com algum conforto, asanas, pranayamas, drishtis e bandhas.
30 - O que são asanas e qual a sua importância no Hatha yoga tradicional? São meras posições de meditação ou vão além disso? Há lugar a "canalização de energias"?
Asanas são as posições rituais feitas com o corpo nas práticas de Hatha Yoga. A importância é definida nos próprios textos: "Inicialmente são expostos os asanas, pois eles constituem o primeiro passo do Hatha Yoga. Os ásanas são praticados para se conquistarem postura firme, saúde e flexibilidade." HYP, I -17
A prática de asana tem dois grandes objectivos. O primeiro é impedir os doshas de se acumularem nas suas principais localizações, assim contribuindo para o seu equilíbrio. O outro objectivo maior é a redução de rajas (assumindo-se que tamas também já foi reduzido) e o aumento de sattva, equilíbrio, harmonia e conhecimento. Estes objectivos conseguem-se também pela manipulação do prana e portanto a energia é envolvida no processo.
No contexto do Hatha asanas são mais do que posições para sentar e meditar.
31 - O mais importante é a postura física ou a respiração (pranayama) e atitude interior (bhava, visualizações, meditação, etc.)?
O mais técnico dos textos de Hatha, que é a Gheranda Samhita diz-nos logo de início:
Não existem amarras como as de maya. Não há força como a que provém da disciplina (yoga). Não há amigo mais elevado que o conhecimento (jñana). E não há inimigo maior que o sentimento de individualidade (ahamkara). I,4
Assim, o mais importante é o conhecimento, atmajñanam, depois a atitude e o pranayama e por último o asana. O asana é o princípio. |
