bife inteiro à moda da casa
Suculento naco de bife do lombo, mal passado, condimentado com alho e pimenta preta. A acompanhar, a vida miserável e a morte aterradora do animal... que é agora o seu bife.
Na produção de carne de bovinos, os animais são castrados, os cornos cortados, e o corpo é marcado a ferro quente, tudo sem anestesia. No recintos onde vivem, dezenas de milhares de animais permanecem apinhados em áreas lamacentas, infestadas de moscas e cheias de estrume, onde a tenção os torna susceptíveis à febre e a outras doenças dolorosas e debilitantes. Afastar as moscas pode causar a perda de um a dois quilos por dia. Por isso, os produtores pulverizam regularmente os animais com insecticidas altamente tóxicos.
A engorda
A partir de um ano, os bovinos são alimentados com uma dieta rica em proteínas, afim de garantir um crescimento rápido. Para manter os animais vivos em condições tão difíceis e tão impróprias à sua existência, são administrados antibióticos durante toda a vida do animal.
O transporte
Quando atingido o peso ideal, os animais são transportados em camiões até os matadouros. Frequentemente com brutalidade: levam choques eléctricos de aguilhões, são brutalmente empurrados e arrastados. Podem ser privados de alimento e água e sofrer exposição a condições ambientais difíceis por longos períodos. Os camiões que transportam gado estão sempre superlotados, muitos caem, outros são espezinhados e gravemente lesionados durante o transporte. Outros ainda, morrem durante a viagem por sufocação. Os animais que sofrem traumatismos nas pernas, pélvis ou pescoço são arrastados para fora dos camiões até ao matadouro, onde, muitas vezes, agonizam de dor e chegam a esperar horas para ser abatidos. Animais demasiado doentes para abater na "linha de produção" não recebem eutanásia. São atirados para a "pilha de mortos" e deixados a perecer de doença, sede fome ou hipotermia.
O abate
Mesmo hoje em dia, o processo de abate permanece primitivo e violento. Os animais entram no matadouro um a um. Matadouros mais bem apetrechados, usam um revólver pneumático "atordoador", mas é muito comum a marretada na cabeça, nem sempre certeira. Quando é chegada a hora do abate, os animais são forçados a entrar num corredor estreito. Desesperam-se, tentando fugir, aterrorizados. Sentem o cheiro da morte e recusam-se a prosseguir. Alguns, já sem força, caem. No final do percurso, um por um, são contidos em pequenas boxes e covardemente massacrados. São, então, suspensos (muitas vezes conscientes) por uma das patas traseiras; os músculos rompem devido ao peso do corpo. Na "linha de desmontagem", operários com longas facas cortam a garganta de cada animal, na veia jugular e carótida, deixando-o sangrar, pendurado de cabeça para baixo.
Qualquer adoptante de um cão ou gato, minimamente responsável, sentir-se-ía um verdadeiro criminoso se tratasse o seu animal de estimação como um produtor de leite ou carne trata o seu gado. E no entanto, beber um copo de leite ou comer um bife, é considerado pela maioria dos humanos um acto inocente e até benéfico.
Por mais absurdo que nos pareça, em países onde existe alguma legislação punitiva contra os maus tratos a animais domésticos, se um produtor de carne tratar o seu cão como trata o seu gado, será multado, processado e provavelmente preso. E o seu cão será apreendido.
Os porcos, as vacas e as galinhas experimentam o afecto, o bem-estar, a alegria, a solidão e o medo, como os cães e os gatos e como nós, humanos. São feitos de carne e osso, têm vidas sociais e psicológicas complexas e sentem dor.
Até aqui, nada de novo. No entanto, mais de 900 milhões de mamíferos e aves e biliões de peixes são mortos todos os anos para serem transformados.
A forma como são criados e os métodos utilizados para os matar aterraria qualquer pessoa medianamente equilibrada e compassiva.
A própria terminologia associada a esta indústria (animais para consumo, produção de carne, produção de leite e derivados, indústria dos enchidos), demonstra que cada um de nós integrou serenamente na sua consciência a visão sinistra destes animais como produtos. No nosso quotidiano, não têm mais importância do que batatas ou materiais como a borracha ou o cimento.
Em média, cada português consumidor de carne é responsável, ao longo da sua vida, pelo abuso e morte de mais de 1 500 animais.
"Mais do que qualquer outra indústria, a agro-pecuária oferece um olhar aterrador sobre o capitalismo. Nestes locais, o próprio conceito de vida é redefinido: como sendo uma unidade de produção proteica. A procura constante de redução de custos e maximização da produção criaram soluções aterradoras como a amputação de caudas, bicos e cornos e a castração. Ou, em países tecnologicamente mais avançados, a engenharia genética de manipulação contra o stress de porcos e galinhas que experimentam uma vida tão artificial e degradante. Um mundo construído à luz do nosso maior pesadelo já existe: é a vida real de biliões de animais numa unidade de produção."
Michael Pollan, "An Animal's Place" New York Times Magazine, 11/10/02 |