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Prática

Ujjáyí, o pránáyáma nas escrituras clássicas do Hatha Yoga
Miguel Homem
16-11-2007


Depois do súryabhedhana, a Hatha Yoga Pradípiká e a Gheranda Samhitá citam o ujjáyí como o kúmbhaka seguinte, o segundo e o terceiro de cada um daqueles textos, respectivamente.

Segue-se a descrição do ujjayí pránáyáma, a respiração vitoriosa com contracção da glote:

a)      Inspirar pelas narinas, contraindo levemente a glote e produzindo um leve ruído que deve ser suave e contínuo;

b)      reter o ar nos pulmões com a glote totalmente fechada e jalándhara bandha;

c)       expirar pelas narinas, contraindo a glote e produzindo o mesmo ruído suave do atrito do ar na garganta, que Swami Satyananda chama de suave ressonar.

        

         Costumo pedir aos meus alunos que têm dificuldade em perceber como se contrai a glote para deglutirem a saliva. O movimento que se cria ao nível da garganta é uma contracção da glote. Basta, então, criar esse movimento e mantê-lo de forma à glote ficar parcialmente fechada e inspirar e expirar dessa forma, como se o ar entrasse e saísse directamente pela garganta.

         Theos Bernard foi ensinado a lavar a língua e a boca antes de começar este pránáyáma[1].

         Mais uma vez deixei uma sugestão simples da prática do ujjáyí que não é mais do que uma entre outras. André Van Lysebeth, por exemplo, dava a seguinte indicação: “Kúmbhaka deve acompanhar-se necessariamente de múla bandha. Isto é muito importante.[2]” Indicação que B.K.S Iyengar[3] também dá para os estágios mais avançados do pránáyáma. Já o ensinamento de Swami Satyananda é no sentido do pránáyáma ser praticado com o khecharí mudra.

         O ujjáyí aumenta a temperatura e o calor corporal, normaliza o funcionamento da glândula tiróide e do sistema endócrino, estimula o relaxamento e a interiorização.

         O ujjáyí é uma técnica auxiliar de várias meditações, como no ajapa-japa. Muitos também conhecem este pránáyáma de algumas práticas de ásana, como a do ashtánga vinyasa yoga. Ele é utilizado não só pelos seus efeitos físicos, mas também porque facilita a concentração na respiração e no ritmo respiratório, o que promove uma maior vivência do ásana.

        

         Vejamos, então, o que nos diz a Hatha Yoga Pradípiká[4]:

         “Ujjáyí: com a boca fechada, inala-se lentamente por ambas as fossas nasais, de tal forma que o ar produza um ruído (surdo) ao passar pela garganta em direcção aos pulmões. Depois, pratica-se kúmbhaka segundo a descrição anterior, mas exalando pela narina esquerda (ídá); com esta técnica eliminam-se os problemas de excesso de mucosidade na garganta e incrementa-se a capacidade digestiva.” (II, 51-52).

 

         “Pratica-se kúmbhaka segundo a descrição anterior”, ou seja, segundo a descrição do súryabhedana – “praticar kúmbhaka até sentir o prána penetrar em todo o seu corpo, desde a ponta dos cabelos até às unhas dos pés”. Valem as mesmas considerações feitas anteriormente, lembrando que as retenções com ar prolongadas devem ser sempre mantidas com jalándhara bandha. Este bandha estimula o sistema para-simpático, regula os batimentos cardíacos, respiração e pressão arterial de forma a permitir um estado de relaxamento e bem-estar sem riscos durante a retenção.

        

         Admitem-se algumas formas de ujjáyí. Variações no que toca à expiração são um exemplo. Assim, o texto citado indica a expiração pela narina esquerda, quando na Gheranda Samhitá parece estar sugerida a expiração pela boca.

 

“A respiração ujjáyí também cura a hidropsia e os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus; este kúmbhaka pode ser praticado em pé, estando imóvel ou caminhando.” (II, 53).

 

Esta citação dá-nos mais uma referência sobre os efeitos do ujjáyí pránáyáma. Ficamos a saber que pela sua prática são corrigidos os desequilíbrios nas nádís e nos dhátus. A referência às nádís é familiar. Os dhátus são os constituintes do organismo e são em número de sete: a pele (rasa), o sangue (rakta), a carne (mámsa), a gordura (medas), o osso (asthi), a medula (majjá) e o esperma (shukra).

Refira-se que este é o único pránáyáma citado nas três escrituras que temos referido (Hatha Yoga Pradípiká, Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá) sobre o qual se dá indicação expressa de que poderá ser feito em pé e tanto imóvel como em movimento. Percebe-se assim, porque em muitas práticas de Hatha Yoga ele é utilizado durante a prática de ásana.

 

          Gheranda Samhitá[5]:

         “Feche a boca, inspire o ar externo por ambas as narinas, e eleve o ar interno dos pulmões e garganta; retenha-o na garganta. Então tendo lavado a boca (isto é, expelido o ar pela boca) execute jalándhara. Que ele execute kúmbhaka com todo o seu poder e retenha o ar confortavelmente.” (V, 69-70).

 

         De acordo com de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu[6], a referência “tendo lavado a boca” é uma indicação da expiração pela boca. Desconhecem-se os motivos daqueles tradutores para tal interpretação, apesar de se reconhecer o sentido da mesma. Em sentido diferente, o Yogí Pranavánanda, na sua tradução e comentário da Gheranda Samhitá dá-nos a seguinte tradução:

         “Inspire o ar exterior por ambas as narinas e retenha-o na boca. Eleve o ar dos pulmões e garganta e retenha-o na boca. Com a boca assim lavada e fechada, execute jalándhara bandha. Kúmbhaka deve ser praticado com toda a sua capacidade, mas sem desconforto”[7] (V, 69-70).

 

         Seja como for, a essência do pránáyáma não se altera. À boa maneira yogí há que experimentar e observar...

         O que já não é indiferente é que, conforme se siga uma ou outra tradução, a retenção é feita sem ar (no primeiro caso) e com ar (no segundo), cada uma com intenções e resultados diversos. Haverá, pois, que decidir conscientemente.

 

         “Todos os obstáculos são conquistados pelo ujjáyí kúmbhaka. Aquele que o pratica nunca se vê afectado por doenças de fleuma e doenças nervosas, indigestão, desinteria, definhamento, tosse, febre e dilatar do baço. Que um homem execute ujjáyí para conquistar a velhice e a morte” (V, 69-70).

 

         Jaya, Jaya!




[1] Hatha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 52.

 

[2] André Van Lysebeth, Pranayama, A la serenidad por el yoga, EdicionesUrano, 1985, Barcelona, pag. 237, tradução do autor.

[3] Veja-se B.K.S. Iyengar, Luz sobre el Pránáyáma, 2ª Edição, Editorial Kairós, 2001, Barcelona, Espanha.

 

[4] Svatmarama Yogendra, Hatha Yoga Pradipika, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[5] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu,  1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2004, Delhi, Índia.

[6] The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradipika, Gheranda-Samhita and Shiva-Samhita, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu,  1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2004, Delhi, Índia, pag. 131.

[7] Tradução para o português feita pelo autor a partir de Pure Yoga (A translation from the  Sanskrit into English of the tantric work, The Gherandasamhita with a guiding commentary by), Yogi Pranavananda,  reimpressão da 1ª Edição, Motilal Banarsidas  Publishers, 2003, Delhi, Índia.


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