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Prática

Mahámudrá - Mudrás nas escrituras clássicas do Hatha Yoga
Miguel Homem
07-05-2006


“Para fazer mahamudrá, deve-se pressionar o calcanhar esquerdo no períneo e, mantendo esticada a perna direita, segurar os dedos do pé direito com as mãos. Depois contrai-se a garganta (em jalándhara bandha) e conduz-se o prána para cima (por sushumná). Desta forma, kundaliní move-se para cima como uma serpente cutucada por uma vara. Então, as outras nádís ficam (geladas) sem vida (porque o prána já não as percorre. Exala-se depois muito lentamente, nunca depressa; os sábios denominam esta prática mahamudrá, o grande selo. Com esta prática destroem-se os kleshas (aflições existenciais) e vence-se a morte; é por isso que os homens mais sábios a chamam mahamudrá. Depois de praticar com o (calcanhar) esquerdo (no períneo) deve-se repetir com o direito, finalizando a prática quando se houver executado igual número de vezes para cada lado.”Hatha Yoga Pradípiká (III, 10-15).

A tradução é já por si bastante explícita, mas analisemos alguns pormenores. O texto refere a contracção da garganta (kanthe bandham) o claramente significa o jalándhara bandha. E em seguida a condução do prána para cima, o que sugere o múla bandha associado a uma visualização própria.

O prána genérico (ou váyu) divide-se em cinco pránas ou váyus principais: prána, apána, udána, samána e vyána. O prána está situado no alto do tórax, na região do coração, e o seu percurso começa no umbigo e vai até à garganta. Este váyu, associado à respiração, é activado pela inspiração e é responsável pela captação da energia do meio ambiente, para vitalizar o corpo. A sua polaridade é positiva. Já o apána está situado abaixo do tórax, na região coccígea. É o váyu responsável pelos processos de excreção e expulsão no corpo e é activado pela expiração. O apána é de polaridade negativa.

Esta conjugação do jalándhara bandha com o múla bandha associada ao pránáyáma procura sobretudo unir estes dois váyus (prána e apána), através da inversão das suas direcções naturais, no Manipura Chakra. Quando prána e apána se unem é estimulado o despertar da kundaliní e isso “proporciona resultados de particular importancia para la experiencia última del yoga.[1]. Segundo a Hatha Yoga Pradípiká , “com a prática constante de múla bandha alcança-se a união de prána e apána, reduzem-se consideravelmente as secreções ( de urina e excrementos) e até os mais velhos rejuvenescem.” (III-65) quando apána e o fogo se unem ao prána, quente por natureza, um clarão intensamente abrasador brota no corpo. Kundaliní adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta. Tal como uma serpente tocada por uma vara, ela se levanta sibilando; e, como se entrasse em sua toca, entra na brahmánádí (sushumná, o canal central). III-67 - 69).


Desta forma se poderá explicar porque o prána abandona as nádís laterais, idá (respiração lunar associada à narina esquerda) e pingalá (respiração solar associada à narina direita), e penetra sushumná causando a cessação da respiração pelas duas narinas.

Outras técnicas podem ainda ser associadas ao mahámudrá. Theos Bernard[2], testemunhando a sua aprendizagem e experiência na Índia, complementava a retenção (kúmbhaka) com o uddiyana bandha e a fixação do olhar no inter cílio.

Faz-se ainda referência à destruição dos kleshas. Os kleshas são as misérias existenciais, as causas do sofrimento humano, e foram enumerados e definidos por Patañjali nos sútras II-3 e seguintes. Eles são: avidyá, ignorância, asmitá, egoísmo, rága, paixão, apego, dvesha, aversão e abhiniveshá, o medo da morte. Sendo que todos eles surgem de avidya, a ignorância existencial.

E, por fim, surge a indicação para se fazer para ambos os lados, e não apenas para um. Indicação esta que falha no texto seguinte, mas que preferencialmente será seguida.

Vejamos agora a Gheranda Samhitá, que acrescenta mais uma indicação:

“Pressionando cuidadosamente o períneo com o calcanhar esquerdo, estique a perna direita e segure o dedo grande do pé com a mão; contraia a garganta (sem soltar a respiração), e fixe o olhar entre as sobrancelhas. Isto é chamado de mahámudrá pelos sábios.” (III, 6-7).

A fixação do olhar entre as sobrancelhas corresponde ao brúmadhya drishti, também conhecido como shámbhaví mudrá, e pode ser feito tanto com as pálpebras abertas como fechadas. No entanto, o antaranga drishti (com as pálpebras fechadas) só deve ser executado depois de dominado o primeiro, com as pálpebras abertas. O brúmadhya drishti, ou shámbhaví mudrá, permite aumentar a concentração na técnica do mahámudrá e ajuda a estabilizar a consciência, e por conseguinte a manter estáveis e firmes o ásana, pránáyáma e visualização de suporte

De uma forma genérica o drishti ajuda a manter a concentração, uma vez que “fecha” uma das portas de dispersão para o exterior. Ao mantermos o olhar fixo não nos deixamos permear pela visão, um dos jñánendriyas (órgãos do conhecimento) que nos apresenta o mundo exterior e que incessantemente alimenta manas, o pensamento. Com menos uma fonte de distracção, mais fácil é a percepção e vivência do momento no mudrá.

A Shiva Samhitá fará a referência explícita a estas “portas”:

“Minha querida, vou agora descrever-te o mahámudrá, através de cujo conhecimento os sábios antigos como Kapila e outros obtiveram sucesso no Yoga.” (IV, 13-15).

O sábio Kapila é o lendário criador do sistema Sámkhya.

“De acordo com as instruções do Guru, pressiona gentilmente o períneo com o calcanhar do pé esquerdo. Esticando o pé direito para fora, segura-o bem entre as duas mãos. Tendo fechado as nove entradas (do corpo), coloca o queixo no peito. Então concentra as vibrações da mente, inspira ar e retém-no pelo kumbhaka (pelo tempo que for confortável mantê-lo). Este é o mahámudrá mantido secreto em todos os Tantras. O yogí de mente serena, tendo-o praticado do lado esquerdo, deve depois praticá-lo do lado direito; e em todos os casos deve ser firme no pránáyáma, a regulação do seu alento.” (IV, 13-15).

O que a Gheranda Samhita sugeria com a indicação do shámbhaví mudrá, abstracção sensorial, a Shiva Samhitá afirma: fechar as nove entradas do corpo. Estas nove entradas são os ouvidos, olhos, narinas, boca, ânus e órgão sexual. As primeiras sete portas correspondem a quatro dos cinco jñánendriyas, os sentidos do conhecimento, a saber: audição, olfacto, visão, tacto e paladar. E as duas últimas portas correspondem a duas das cinco faculdades da acção, karmendriyas, que são: palavra, gozo, preensão, locomoção e excreção. Aliás a boca é uma das portas que, se fechada, anula rasana (o jñánendriya paladar) e vák (o karmendriya palavra).

Ora, valendo-nos aqui dos elementos (tattvas) das cosmogonias Sámkhya e Tantra, sabemos que são os indriyas (jñanendriyas e karmendriyas) que apresentam ao manas o mundo exterior para que aquele retire as impressões deste.

Na relação com o mundo exterior manas (pensamento) percebe e apresenta, ahamkára (ego) arroga-se, e buddhi (o intelecto superior) descrimina e decide, vindo assim a dar origem à acção. Estes três tattvas são conjuntamente denominados chitta, o complexo mente-personalidade, com que geralmente nos identificamos.

Claro que o fechar das nove portas não deve ser entendido em sentido literal. Chitta (a mente) é constantemente estimulada por objectos externos e o fechar das nove portas não é mais do que uma referência ao estado de pratyáhára (indriyá pratyáhára), de abstracção sensorial. Na abstracção sensorial desempenham um papel essencial os bandhas e drishti utilizados. Pretende-se que o praticante feche aquele circuito de alimentação constante de chitta com objectos externos – “Quando os sentidos já não estão em contacto com os seus próprios objectos e assumem a natureza de chitta, isto é prathyáhára.” (Yoga Sútra II – 54). O objectivo é que o praticante esteja presente e observante.

O texto faz ainda referência à importância do pránáyáma na execução do mudrá.

Eis o mahámudrá como me foi ensinado pelo Prof. Pedro Kupfer:

  1. Sente-se pressionando o calcanhar esquerdo no períneo;
  2. estenda a perna direita em frente ao corpo;
  3. segure o pé direito com ambas as mãos e faça uma tracção da coluna para cima e para a frente, inspirando longamente;
  4. faça khecharí mudrá e, retendo o ar, jalándhara bandha e shámbhaví mudrá com os olhos fechados;
  5. acrescente múla bandha ao kúmbhaka (retenção);
  6. repita mentalmente ájña, vishuddha, múládhára, durante a retenção com ar, visualizando o circuito descendente;
  7. faça cinco ciclos e mude de lado, repetindo tudo com a outra perna esticada;
  8. termine com cinco ciclos sobre ambas as pernas, juntas e esticadas em paschimottánásana.
  9. Esta prática faz-se depois dos ásanas, o shatkarma e o pránáyáma e antes da meditação.

É esta, aliás, a ordem prescrita nos shástras.

O Dada Dhyanananda, que me ensinou o mahámudrá de acordo com os ensinamentos de Shrii Shrii Ánandamúrti, seu Guru, aconselha a retenção no mudrá durante cerca de meio minuto e depois desfazer, sentar com a coluna recta e expirar.

Miguel Homem

miguelhomem@gmail.com

A citações da Hatha Yoga Pradípiká são extraídas da tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil, enquanto as da Gheranda Samhitá e Shiva Samhitá são a tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hahayoga-Pradpiká, Gherand-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.



[1] André Van Lysebeth, Pranayama, A la serenidad por el yoga, EdicionesUrano, 1985, Barcelona, pag. 250.

[2] Hatha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4ª Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag. 62.


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