Aonde
se propõe chegar o Hatha Yoga? A Hatha Yoga Pradípiká diz-nos:
“O
Yogi Svátmáráma, depois de saudar
solenemente a deidade e seu guru,
estabelece, desde o início, que o ensinamento do Hatha Yoga é somente um meio para a realização do Rája Yoga.” (I-2)
E a Gheranda-Samhitá:
“Curvo-me
perante Ádíshvaráya que ensinou, no início, a ciência do Hatha Yoga, a ciência que representa o primeiro degrau da escada
que leva à suprema altura do Rája Yoga.”
(verso introdutório ao capítulo I)
Ao
ler estas passagens naturalmente surge a dúvida: será que o Hatha Yoga não estará à altura de outros
Yogas? Será um Yoga menor? A passagem seguinte da Hatha Yoga Pradípiká pode esclarecer-nos:
“Rája Yoga, samádhi, unmaní, manomaní,
amaratava, láyá, tattva, shúnyashúnya, paramapáda, amanaska, advaita, niralámba,
nirañjana, jívanmukti, sahaja e túrya
são sinónimos.” (IV, 3-4).
Esta
passagem parece-me especialmente relevante por vários motivos. Em primeiro
lugar ajuda-nos a compreender o sentido dos versos iniciais da Hatha Yoga Pradípiká e da Gheranda Samhitá. A referência ao Rája Yoga enquanto objectivo do Hatha é feita não em relação ao método,
mas em relação ao fim, ao estado final a alcançar. Depois mostra-nos a
identidade entre vários conceitos de estados que, à primeira vista, poderiam
parecer distintos. Assim, Rája Yoga e
samádhi são tidos como equivalentes.
De entre os citados vejamos outros com maior interesse para o nosso estudo.
Unmaní, manomaní são conceitos tipícos
do nátha sampradáya e definem o
estado de negação da mente (un-maní)
ou posto de outro modo, o estado de consciência além da mente (mano-maní). Nomes diferentes para
designar o que Patañjali apelidou de asamprajñáta
samádhi ou nirvikalpa samádhi.
Veja-se a Hatha Yoga Pradípiká (IV,
60-62).
Tattva, a realidade, é uma composição do
Vedánta mahávakhya Tat tvam asi, ou
seja, uma das grandes afirmações das Upanishads,
tu és aquilo, a identidade entre o jíva e
Brahman. “Eu sou Brahma, Eu não sou mais nada, Brahma
sou certamente Eu; Eu não participo da tristeza, Eu sou existência,
consciência., felicidade, sempre livre, de uma só essência”, diz a Gheranda Samhitá (VII, 4), um dos
textos clássicos do Hatha Yoga.
Advaita, não dualidade, é o
qualificativo da doutrina monista ensinada por ´´Adi Shankarachárya, segundo a qual existe apenas uma realidade
independente e eterna, Brahman – Brahman é satyam, tudo o resto é mithyam.
Brahman é absolutamente real, tudo o
resto depende dele para a sua existência.
Turíya, foi descrito na Mándukhya Upanishad (7) como o que está além dos três avasthás, vigília, sonho e o sono
profundo, o átman. A consciência
inerente aqueles estados, mas vista da sua própria perspectiva, sem referência
a qualquer nome e forma (námarúpa), é
chamada de turíya. Turíya é nome da pura consciência.
Por
aqui se percebe que a busca o Hatha Yoga
é também a busca do conhecimento Aham
Brahma’smi, Eu sou Brahman, e que
as suas técnicas mais não buscam do que esse conhecimento. “Somente o
Conhecimento (Jñána) é eterno. Ele não tem início nem fim. Não existe
nada fora ele. A aparente diversidade do mundo é resultante da limitação dos
sentidos. Quando esta limitação desaparece, apenas o Conhecimento, e somente
ele, resplandece.” Shiva Samhitá (I,1).
Deixo
por fim, esta passagem do Gorakshabodha,
um texto atribuído a Gorakshanátha na forma de diálogo entre este e o seu
mestre Matsyendranátha[1]:
“Gorakshanátha:
Como pode alguém alcançar o samádhi?
Como pode alguém libertar-se dos factores perturbadores? Como pode alguém
adquirir turíya? Como pode alguém
tornar o seu corpo imutável e imortal?
Matsyendranátha:
O jovem entra em samádhi através da
mente; ele liberta-se das perturbações através do alento vital? Ele adquire turíya através da atenção e conhecimento
(jñána) e obedecendo e voltando-se
para o Guru, ele alcança a
imortalidade.” (67,68).
[1] A tradição do Sanatana Dharma associa a criação do Hatha Yoga a Matsyendranátha e ao seu discípulo Gorakshanátha.
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