A palavra sat ou satyam significa aquilo que é verdade ou real. Aquilo que é real, que existe ou é, tem de ser aquilo que não pode ser negado no passado, presente ou futuro. Existe a tendência para apontar o que é na forma negativa, não é limitado pelo tempo, é imutável. Saddarśanam é a visão do que é real. O conhecimento da natureza da realidade é a libertação (mokṣa). Isso significa que a causa para o nosso sofrimento é a ignorância da natureza da realidade. Não é algo teórico, é algo para ser directamente reconhecido através de um meio de conhecimento. Precisamos, por isso, de um método de ensinamento que aponta para algo que é diferente daquilo que percebemos através dos cinco sentidos ou do conhecimento baseado na informação colhida por esses sentidos (seja por inferência ou outra).
Quando se fala em aprisionamento e libertação, o que é considerado aprisionamento é aquilo que é continuamente sujeito a nascimento e morte, continuamente sujeito a mudança. Isso significa que qualquer experiência que tenhamos, seja de prazer ou sofrimento, é sempre limitada no tempo. Não existe um porto seguro na experiência. E se achamos tê-lo encontrado, ele pode-nos ser tirado a qualquer momento. Em qualquer experiência completa e realizadora que tenhamos, imediatamente nasce o medo da perda, porque sabemos que ela é possível. Nenhuma dessas experiências é o real, sat, aquilo que não vem, nem vai. Mokṣa é o reconhecimento daquilo que não pode ser negado em nenhum dos períodos de tempo com referência ao que somos, o si mesmo.
Este si mesmo não está disponível para ser reconhecido pelos nossos órgãos dos sentidos. Os sentidos apenas nos trazem o que é limitado pelo tempo e espaço (o que é mithyā). Na dimensão do tempo e espaço tudo o que podemos perceber são objectos. Então o que sobra? É aquilo que é, existe, mas não é objectificável enquanto objecto. O que será?
Neste momento e em qualquer momento, nós podemos dividir a nossa experiência em dois, duas categorias, sujeito e objecto. Um objecto é qualquer coisa que existe no tempo e no espaço, porque posso descrevê-lo e distingui-lo de outra coisa. Na nossa experiência eu sou o sujeito e tudo o mais que percebo é objecto. Nada do que percebo é sat, a verdade, porque tudo o que percebo é sujeito a objectificação, sujeito a mudança. Se pode ser descrito e é mutável é o oposto de sat, é asat (não sat). Eu próprio caio nessa categoria de objecto para os outros. Não só para os outros sou objecto, mas também para mim o meu corpo é objectificável como o demais no universo. Para mim, eu sou consciente do meu corpo através dos sentidos, assim como os outros o são. De facto, se removermos os cinco sentidos nem sequer somos conscientes do corpo. Se formos cegos, não vemos, se formos surdos não ouvimos e se perdemos o tacto, nem o sentimos. O mundo é objecto do sujeito que sou, mas o mundo inclui o meu corpo. Os meus sentidos, eles mesmo também são objectificáveis. Os que objectificam o corpo são objectificáveis. Eles também não são sat, porque eles vêm e vão. Os vṛttis, os pensamentos na nossa mente por causa dos quais somos conscientes dos sentidos, também não são sat. Os vṛttis vêm e vão continuamente e são objectificáveis. Conhecemos os nossos pensamentos, os nossos sentimentos, as nossas "luas", e portanto, eles não são sat, porque mudam constantemente. O ahaṁkāra, a noção de eu, "eu sou isto, sou aquilo", e aquele que se identifica com as experiências também não é sat. O pensamento de eu, também vem e vai. Nós não andamos sempre com um pensamento que nos rotula.
Assim, se pensarmos que tudo o que está aqui é sujeito/objecto, quando tentamos olhar para o que é este sujeito, como o vamos fazer? Se todo este mundo é sujeito/objecto e eu quero distinguir realmente entre um e outro, para o fazer não posso manter este corpo como sujeito porque vejo que ele é objecto. Não posso fazer dos sentidos, em última instância, o sujeito, porque também eles são objectificados. Não posso fazer da minha mente o sujeito porque também é objectificada, tampouco posso ter o pensamento de eu como sujeito. Todos eles vêm e vão, é um facto. Então, última instância, o que permanece como sujeito para mim?
Apenas aquilo que não pode ser objectificado. Se pode ser objectificado então há um sujeito a objectificá-lo. Se pode ser olhado, descrito, se é alguma coisa que muda e eu sou a testemunha dessa mudança então não sou eu. Pode ser a experiência que está a ter lugar, mas não sou eu, não é o si mesmo, a minha essência. Isso que é objectificado vem e vai e eu permaneço. Assim, enquanto pudermos objectificar qualquer coisa, estamos, nesse momento, a diferenciar-nos do que estamos a objectificar. Mas quando chegamos a quem somos nós, quem sou eu, chegamos ao fim da linha, já não existe mais objectificação possível. O fim da linha para nós será, eu, a existência, aquele que diz as palavras "eu sou". Isso refere-se a ti como um ser existente. Não é dizer as palavras, mas as palavras expressam e referem-se a ti, a mim, como um ser existente. Eu sou um ser existente, consciente. Eu sou aquele que é, em última instância, o sujeito que ilumina tudo. Eu sou o ser consciente que eu mesmo não posso objectificar. Eu não posso objectificar a consciência, onde o sujeito é diferente do objecto. Eu não posso iluminar a consciência, numa experiência onde haveria eu, o ser consciente, consciente de mim como objecto. Não há diferenciação e ainda assim, sou consciente de mim mesmo. A consciência é consciente de si, mas não como objecto. É consciente de si mesma porque é consciência. A consciência, sendo o que é, é o que dizemos ser evidente por si mesma.
E como é que isso aparece em todas as nossas experiências? Todas as experiências que temos são preenchidas com a nossa, a minha própria, auto-evidente presença, por causa da qual tudo é iluminado, mas que ela própria não necessita de outra consciência para a iluminar. Não precisamos de trazer uma outra consciência para iluminar a consciência, a consciência é consciência. Todas as experiências que temos como a experiência desta sebenta: ela é (existe) e eu sou consciente dela. Saímos para passear e tudo de que sou consciente, sou consciente disso, está na minha consciência (se quisermos usar a expressão) e é, existe. Se desligo dos sentidos e só observo os pensamentos na mente, o pensamento é, existe na minha consciência, da mesma forma os meus humores, as minhas "luas". O humor está na minha consciência, o humor é (existe). Se olho apenas para o pensamento de eu, o ahaṁkāra, direi que o pensamento de eu está na minha consciência, ele está, é. E se eu estiver a meditar, e voltar a mente para este ser consciente que a ilumina, o que diria? A consciência ilumina a mente que se torna um espelho focado na minha consciência. E se a minha mente fica totalmente absorvida na consciência? Então o que diria? Não diria nada por causa desse estado absorto, mas o reconhecimento seria apenas, eu sou, eu sou um ser consciente. Não é necessário mais nada, além da consciência, para o iluminar. Então, a nossa presença é o que preenche toda a experiência e ela mesma permanece livre de toda a experiência. Não há nenhuma experiência sem a consciência. Esta consciência, este si-mesmo, ātmā, é a única coisa que não vem e não vai. Não há nada mais igual.
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