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Practice

Trabalho corporal dos bons e o sentido da vida
Maria M. Mendonça
28-09-2007


Sempre considerei os contrastes um absurdo. Contraste é chocante mas é a maior sorte passar por eles. Sorte no sentido de aprendizado puro. Sorte por ter a oportunidade de ser chacoalhada, sacudida de meu lugar de sempre, tão limitado! Sorte de ter a chance de sentir na pele e no osso o que o fundo do coração aponta como não sendo aquilo que eu busco. Agradeço ao contraste por contribuir para um foco que se faz claro e que ilumina o sentido não só da prática de yoga, mas da vida. Não seria o sentido da prática de yoga a busca pelo sentido da vida? O propósito que me move ao yoga e que me põe em direção a alguma coisa muito maior. O coração avisa imediatamente quando a alma fica pequena. E os olhos ardem quando me presto em demasiada atenção ao inútil e me perco em assuntos que me enganam de mim. É fácil perder o propósito da prática de yoga. Afinal, é tão impalpável que às vezes nem lembramos que existe. Certo é também que durante muito tempo praticamos sem propósitos ou com propósitos escuros, limitados, tão nossos que se limitam à uma pobre estética ou apenas ao conforto de um bem estar nada altruísta.


O contraste entre diferentes abordagens de hatha yoga é interessante para aguçar a sensibilidade para este "sentido". Algumas aulas mexem com o corpo sem citar a respiração. Outras falam de respiração, movimento e suor. Outras de alinhamento máximo, perfeito. E poucas, cada vez mais raras, falam de hatha yoga. Quase não se fala, em meio à popularização do yoga, sobre a ciência do equilíbrio de forças sutis à muito conhecidas como Yin Yang, sol e lua, masculino e feminino, positivo e negativo, Ida e Pingala. Qual seria o propósito da prática de hatha yoga se não equilibrar os fluxos de energia para facilitar o conhecimento e a meditação? Sabe-se que é possível acessar melhor a mente através do conhecimento dos fluxos de energia no corpo. E sabe-se que é possível acessar melhor a energia através da respiração. Então porque pranayama é assunto cada vez mais raro? E porque não meditamos nas aulas?

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Não quero aqui criticar métodos específicos de yoga. Esse assunto é bem mais abrangente e não se resume aos métodos, que são pequenos dentro de um todo de yoga. Mas é interessante olharmos para a questão do propósito. E mais interessante ainda seria se nos interessássemos por experimentar o que está ali, há tantos e tantos anos e que nos foi passado por seres que mergulharam em si sem medo. Sem disfarces, sem perder tempo em detalhes, sem perder de vista o foco. Que foco? Aquela certeza interna que diz que a consciência pode ser mais abrangente e que o coração pode ser maior. Que podemos entender mais, que podemos mudar e que temos plena capacidade de ver as mesmas situações de formas diferentes. Que podemos conhecer a nós mesmos em relação a um todo maior. Que podemos ver o outro como um igual e assim perder menos energia e menos tempo reforçando o isolamento, tentando desesperadamente ser alguma coisa se agarrando às coisas pequenas. Sem modelos de felicidade e plenitude. Sem trazer em mente o marketing zen ou a cara de pessoa calma e centrada. Mas sendo o que somos, seja lá o que for, e muito mais. Foco só é foco em relação a um contexto. Foco sem contexto é estreito. É um ponto solto no ar. Um nada que leva à nada.


Percebo que é da mente essa mania de usar as informações para justificar hábitos e assim, permanecer na mesma ou ainda mais sem noção de si. Como é comum usar uma prática "agressiva" para sustentar a própria agressividade. Como é comum perder-se em detalhes para assim não ocupar-se de si. Como a pessoa que não consegue parar quieta e sai arrumando tudo pela casa como num surto, quando deveria era parar quieta e descobir o que a inquieta tanto. Como é comum inventar mais um personagem, com um novo corpo e roupas diferentes para disfarçar aquele que não se quer ver. E se faz isso com yoga. Eis que surge o personagem zen. Mais um cego do repertório de cegos que já carregamos.


A descontextualização do hatha yoga de suas técnicas tradicionais nos faz perder de vista o propósito que inclusive originou o hatha yoga mesmo. O yoga, antes de ser hatha, já existia plenamente em seu significado original como o conhecimento que revela a união ou que leva à união ou que desfaz a dualidade que faz com que eu me veja completamente separado de tudo e de todos. O yoga fora de seu contexto, eu não sei o que é.


Pelos contrastes entre práticas contextualizadas e não-contextualizadas percebo que sim, o yoga poderia fazer parte do currículo do curso de graduação em educação física. Sem problemas. E realmente acho que essa velha briga entre yoga e educação física é culpa nossa, professores de yoga. Os verdadeiros responsáveis por transformar as aulas de hatha yoga em aulas de ginástica. Pode até ser uma ginástica refinada. Mas ainda assim é ginástica. Quando não se encontram mais o propósito e os elementos de hatha yoga ou qualquer outro yoga, o que resta é trabalho corporal dos bons, mas ainda assim, se ensinado apenas assim, trabalho corporal dos bons.

 


 

Manu é  professora de Yoga no Rio de Janeiro. Este artigo está no seu blog, www.yogapadah.blogspot.com

 

 


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