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Practice

Bhuta shuddhi: a purificação dos elementos
Pedro Kupfer
25-11-2007


O discípulo pergunta: “Oceano de misericórdia!

Como se purificam as nadis?

O que é a purificação das nadis?

Quero conhecer isto: por favor diga-me.”

O Mestre responde:

“O vayu (prana) não pode penetrar nas nadis enquanto elas estiverem cheias de impurezas.

Como pode realizar-se assim o pranayama?

Como pode haver conhecimento dos tattvas?

Portanto, precisa-se primeiramente purificar as nadis;

depois praticar-se-á o pranayama.” Gheranda Samhita, v:34-35.

 

 

Bhuta shuddhi, a purificação dos elementos do corpo físico, é um dos procedimentos do Yoga tântrico. Bhuta significa “elemento”, embora também possa ser traduzido como ser, existência, produzir ou formar. Shuddhi é purificação ou limpeza. O bhuta shuddhi possui uma dupla finalidade: não somente purifica o corpo físico denso, mas também acelera o despertar da kundalini. Os cinco elementos que constituem o corpo denso são éter, ar, fogo, água e terra. Não devem interpretar-se em sentido literal: designam os estados etéreo, gasoso, ígneo, aquoso e sólido da matéria, estando ligados do mesmo modo aos cinco primeiros chakras, como veremos mais adiante. Não está demais relembrar aqui que o homem é uma unidade psicofísica, e que, agindo sobre a fisiologia, estaremos agindo também no psiquismo.

O bhuta shuddhi é um conjunto de técnicas que potencializam o efeito produzido pelos outros exercícios. O propósito do bhuta shuddhi é duplo: por um lado, limpam-se as nadis, as artérias do corpo energético pelas quais circula a bioenergia. Por outro, bombeia-se prana por elas. Para tanto, dois pré-requisitos são necessários: intensificar os cuidados com o corpo (alimentação, hábitos saudáveis) e limpá-lo das toxinas segregadas pelo organismo em resposta às emoções negativas.

O bhuta shuddhi fortalece e purifica as nadis, outorgando ao praticante o nadi shuddhi, a limpeza do corpo sutil, aumentando a saúde geral, ativando o fogo interno e facilitando o controle da respiração. Inclui técnicas de kriya, asana, yoganidra, pranayama, mantra, samyama, tapas e mauna. Dessas técnicas, as mais simples são as mais fortes: por isso o Yoga é tão poderoso. O sadhana diário é importantíssimo para desenvolver disciplina e força de vontade. Os kriyas, as técnicas de limpeza interna, estão indissoluvelmente ligados ao bhuta shuddhi, sendo a sua prática condição sine qua non para atingir o estado de purificação.

A prática de asana também pode incluir-se no bhuta shuddhi: por um lado, facilita o despertar da kundalini, tendo um efeito bem forte sobre o corpo energético, massageando e estimulando chakras e nadis. Por outro, atua sobre as glândulas endócrinas, o sistema circulatório e os órgãos internos, ao mesmo tempo em que fortalecem a musculatura e flexibilizam a coluna. Não esqueça que, para o Yoga, não existe separação entre os corpos físico, sutil, emocional e mental.

A reprogramação mental e emocional do yoganidra pode ser considerada um processo de limpeza psíquica: nele transcendemos o estado mundano da consciência, ascendendo ao turiyavashtha, o quarto estado, situado além da vigília, o sono e o sonho. A posição utilizada é o shavasana, deitado no chão, da qual cada variação possui efeitos diferentes. Na posição decúbito dorsal, o indivíduo aceita e enfrenta seus desafios, deitar decúbito frontal sugere proteção, enquanto que a posição fetal, de lado, implica retorno à situação primordial do nascimento.

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Em relação ao pranayama, existem quatro respiratórios que podem usar-se com finalidades específicas de purificação. Eles são: kapalabhati, bhastrika, antar kumbhaka pranayama e nadi shodhana.

Samyama, a técnica tríplice de concentração (dharana), meditação (dhyana) e mega-consciência (samadhi) é o objetivo do Yoga, pois é durante o samyama que acontece o despertar da energia ígnea, kundalini. Para fazê-lo com sucesso e obter resultados a curto prazo, é importante que o organismo já esteja no processo de purificação do bhuta shuddhi.

Tapas(1) é ascese, disciplina, auto-superação ou esforço sobre si próprio. Consiste em transcender pela força de vontade as limitações humanas naturais, fazendo jejum, mauna (jejum verbal) ou enfrentando certas provações que o próprio praticante se impõe, mas que não são necessariamente fisiológicas. É uma das práticas mais arcaicas do Yoga, documentada no ig Veda (x:136), o texto mais antigo do hinduísmo, onde, mais de 6000 anos atrás, um hino nos dá a primeira descrição de ascetas yogis. Esses ascetas, chamados keshin, ou ‘de cabelos longos’ estão associados a Rudra-Shiva:  

 

"O keshin possui a chama,

o keshin possui a seiva vital,

o keshin possui os mundos,

e todo o céu que pode ver-se.

O keshin é a luz. (...)

Elevados pelo tapas,

cavalgamos o vento.

Apenas nossos corpos são visíveis

para vocês, ó mortais!

Viaja pelos ares o asceta,

refletindo acerca de tudo..."  

 

 

O “vôo” aqui descrito é um dos poderes (siddhi) que despertam através da prática de tapas, que é uma das armas mais importantes no processo de descondicionamento e aniquilação do samskara.  

Existem na Índia ascetas (sadhus) que se submetem a práticas extremas de tapas, como o urdhvabahu (que consiste em manter o braço direito elevado durante doze anos); o pañchagni (“cinco fogos”: consiste em meditar durante oito anos entre quatro fogueiras, sendo o quinto fogo o Sol, mantendo no lugar uma sensação térmica superior aos 60o C); ekapada (ficar parado sobre uma perna só durante doze anos); e outras, não menos impressionantes. Claro que não é a nossa intenção fazer esse tipo de procedimento. Fica registrado aqui a título de breve esboço de um dos aspectos do rico folclore do Yoga, mas existem outras formas de fazer tapas, muito mais sutis porém não menos eficientes.

Porém, assim como há poderes a descobrir-se no tapas, também há o perigo do exagero: “a liberação não se consegue apenas untando-se o corpo com cinzas, alimentando-se com casca de árvores e água, expondo-se ao frio e ao calor e fazendo coisas do estilo. Os burros e outros animais vivem completamente nus: acaso são yogis por isso? Não; por tanto, obtenha o verdadeiro conhecimento e evite o falatório desnecessário”. (2)  

 

“Uma linguagem que não fira, verídica, amigável e benéfica, o estudo regular das escrituras, tal é o tapas da palavra. A serenidade e clareza de espírito, a doçura, o silêncio, o autodomínio, a total purificação do caráter, tal é o tapas consciente.” (3)

 

As práticas de tapas mais freqüentes e recomendáveis incluem jejum, mauna e treinamento do autocontrole em situações nas quais você considere que pode ou deve superar-se.

Mauna é o jejum verbal ou abstinência da palavra, que consiste em cultivar o silêncio em suas mais variadas formas. Não é apenas abster-se de falar, mas também de comunicar-se por gestos, fechando-se às influências do mundo exterior, experiência aliás bem interessante para se fazer durante 24 ou 48 horas.  

Cada técnica trabalha sobre uma área definida do corpo, não apenas purificando-o por fora, mas também — e principalmente — por dentro, promovendo a limpeza total do organismo, indispensável para o progresso na prática. Esse estado de purificação permitirá que os fluxos prânicos circulem livremente: “Quando o sistema das nadis é purificado, o yogi torna-se capaz de conservar o prana. Entretanto, o pranayama deve realizar-se com sattvika buddhi (consciência clara), a fim de expulsar os sedimentos da sushumna nadi.” (4) 

 

Aspectos práticos do bhuta shuddhi

 

Fazer bhuta shuddhi não é obsessionar-nos com a perfeição fisiológica ou pessoal, mas esforçar-nos para que a perfeição flua através dos nossos atos, mantendo sempre uma atitude positiva e aberta, evitando fechar-nos em fórmulas rígidas. O importante é possuir mais disposição interior para viver e trabalhar, ser mais conscientes e superar-nos, mas sem que isso se transforme numa compulsão. A cada dia oportunidades nos são oferecidas para aprender a superar-nos: não as deixemos passar.  

Ao mesmo tempo, lembremos de não confundir atitude positiva com virtudes positivas. Você pode manter uma disposição positiva, sem necessariamente ser inofensivo, bonzinho ou indulgente demais. Em determinadas circunstâncias, uma atitude firme acaba sendo mais sadia ou rendendo mais frutos que o excesso de bondade.

Propomo-lhe aqui três pequenas práticas de bhuta shuddhi que podem ser feitas em todo ou em parte, ao acordar, ao deitar e ao longo do seu dia. Você não empregará ao todo mais de 20 minutos para fazê-las, mas sentirá imediatamente seus efeitos sobre o seu dia-a-dia: mais disposição, mais energia, mais saúde, melhora no sono, no astral e no humor. 

 

 

Rotina ao acordar

 

 Esta pequena rotina pode ser feita ao acordar. Não nos levará mais de 10 minutos, podendo incluir algumas das seguintes sugestões:  

  1. Espreguiçar-se e alongar-se bastante antes de sair da cama. Repare que os gatos, mestres na arte do alongamento, jamais saem andando imediatamente depois de acordar. Sem pressa, dão uma bela esticada de braços, pernas e espinha.
  2. Fazer uma pequena meditação matinal, mesmo que seja de alguns poucos minutos. Em caso de falta de tempo, é melhor meditar pouco do que deixar passar esse momento em branco.
  3.  Tomar uma ducha fria ou banho alternado. O banho alternado consiste em tomar uma ducha na qual intercala-se um minuto de água fria, um minuto de água bem quente, um de fria, um de quente, alternando assim seis ou sete vezes, começando e terminando com água fria.
  4. Executar alguns ciclos de kapalabhati, a respiração do sopro lento.
  5. Defecar sentado de cócoras sobre o vaso sanitário.
  6. Fazer uddiyana bandha antes e depois de defecar.
  7. Em caso de constipação intestinal, beber 2 ou 3 copos de água e fazer algumas torções para ativar o trânsito intestinal.
  8. Semanalmente, fazer neti ou dhauti kriya, lavagem das narinas ou do aparelho digestivo, de acordo com as necessidades do próprio corpo.

     

Rotina para facilitar a jornada de trabalho

  

  1. Manter o bom astral, o bom humor e uma atitude positiva nas relações com todas as pessoas do nosso convívio: o trabalho precisa ser prazeroso e realizador. Nesse sentido, cultivar o sorriso também ajuda.
  2. Ser prestativo, evitando postergar qualquer tarefa.
  3. Cultivar a atenção de forma a transformar tudo o que fizermos em exercício de concentração, realizando as tarefas muito conscientemente e da melhor maneira possível.
  4. Manter constantemente a consciência no fluxo do ar, utilizando a respiração completa com ritmo ou outros respiratórios discretos.
  5. Evitar a dispersão e gastos inúteis de energia planejando bem as tarefas antes de executá-las, evitando saturar-nos com uma atividade só.
  6. Quando for preciso aguardar em qualquer situação, fazer mentalização.
  7. Almoçar da forma mais sadia e frugal possível, evitando comer demasiado para não ficar com sono à tarde.
  8. Permanecer atentos aos sinais que o corpo nos envia, utilizando seus recursos da forma mais sábia.
  9. Quando tivermos que sair, fazer pranayama ao andar.
  10. Prestar atenção à coluna vertebral, mantendo-a sempre ereta, tanto ao permanecer em pé quanto sentado.
  11. Não deixar passar a hora de ir ao toalete.

  

Rotina para antes de dormir

 

Esta rotina de 10 minutos pode incluir as seguintes técnicas:

 A quantidade ideal de sono não deve ultrapassar as sete horas.

  1. Dormir em cama inclinada, elevando levemente (de 10 a 20 cm) os pés posteriores da cama de forma que a cabeça fique abaixo do nível das pernas, para favorecer a circulação sangüínea na parte superior do tronco. A cama inclinada está contra-indicada para pessoas com hipertensão ou problemas cardíacos.
  2. Tomar um banho bem quente, para relaxar e descarregar-se do dia.
  3. Fazer nadi shodhana, respiração alternada em paschimottanasana, flexão sentado, e depois dolasana (o movimento de balanço sobre as costas, massageando, relaxando e vitalizando a coluna), e concluir com uma invertida sobre os ombros ou a cabeça.
  4. Não esquecer da meditação final, mesmo que seja curta.
  5. Fazer yoganidra com mentalização, encerrando-o antes de adormecer.
  6. Dormir em uddhara shavasana, de bruços, para descansar melhor.
  7. Deitar antes da meia-noite. Evitar dormir com mãos e/ou pés frios.  

1 da raiz tap, produzir intenso calor, tornar-se ardente.
2 Kularnava Tantra, I.
3 Bhagavad Gita, XVII:15-16.
4 Hatha Yoga Pradipika, II:5-6.

Extraído do livro Guia de Meditação. 


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