Múrcchá, que significa desmaio, é um pránáyáma que aquieta fortemente o pensamento, promove a introversão e proporciona a abstracção dos sentidos, pelo que favorece a concentração e a meditação.
Sugere-se a seguinte descrição do pránáyáma para se ir ganhando familiaridade com a técnica:
a) Sentar numa posição confortável;
b) inspirar de forma profunda e completa em ujjáyí;
c) reter o ar, ligeiramente, acima do tempo normal de conforto com jalándhara bandha;
d) expirar lentamente;
Este pránáyáma deve ser feito com cautela e bom-senso! Como é notório, o ênfase do exercício está na retenção com ar que se prolonga ligeiramente acima do conforto para se criar um estado próximo do desvanecimento. O objectivo não é desmaiar! Repito o aviso de cautela, porque já me foram relatadas práticas em que, qual brincadeira de dominó, era ver praticantes a caírem redondos no chão, uns a seguir aos outros, desmaiados. Assim que se percebe a sensação de perda dos sentidos deve parar-se. O Yoga é consciência, não inconsciência.
De início recomenda-se fazer um ciclo completo como se deixou descrito e depois interromper com alguns ciclos de respiração completa sem retenções, para então retomar.
O múrcchá tende a criar uma abstracção tal do exterior, bem como um vazio mental, que por isso se mostra adequado como prática anterior à meditação. É neste sentido, um prathyáhára.
Pessoas com tensão arterial alta, problemas de coração ou má irrigação sanguínea no cérebro deverão abster-se deste pránáyáma.
A técnica é nos apresentada nos Shástras com diferentes aproximações. Vejamos:
“Ao final de púraka, executa-se um firme jalándhara bandha e, depois, expira-se lentamente; este kúmbhaka reduz a actividade mental de forma muito agradável. ” Hatha Yoga Pradípiká, II, 69 [1]
Como se sabe, púruka é a inspiração e jalándhara bandha a contracção da garganta, dirigindo o queixo na direcção do peito.
Do texto depreende-se, portanto, a mesma técnica acima enunciada. Deixa-se, no entanto, uma chamada de atenção para o jalándhara bandha. Alguns professores aconselham mantê-lo durante a expiração para facilitar uma expiração lenta, controlada e com o mínimo de projecção do ar. Outros recomendam, desfazer-se primeiro o bandha e então iniciar-se a expiração. Em qualquer caso, a expiração lenta, consciente, sem projecção do ar é certamente tão importante quanto a retenção. Isso evitará o dissipar do prána acumulado.
É certo que a inspiração em ujjáyí não aparece indicada no texto, mas ela é comummente aconselhada.
Vejamos agora a Gheranda Samhitá, V, 83[2]:
“Tendo feito kúmbhaka com conforto, que ele recolha a mente de todos os objectos e a fixe nos espaço entre as sobrancelhas. Isto causa o desvanecimento da mente e contentamento. Pois, ao identificar manas e átmá a felicidade é, certamente, alcançada”
Encontramos neste texto uma nova indicação – bhrumádhya drshti ou shámbhavi mudrá. Uma opção para a execução do múrcchá pránáyáma segundo este texto seria a seguinte:
a) Sentar numa posição confortável;
b) inspirar de forma profunda e completa em ujjáyí;
c) Ao mesmo tempo (em sincronia) elevar o queixo, tombar a cabeça para trás (sem criar tensão no pescoço) e fixar o olhar entre as sobrancelhas.
d) reter o ar o tempo que for possível.
e) expirar lentamente e fechar os olhos ao trazer a cabeça para a posição vertical;
Uma outra hipótese é, mantendo o jalándhara bandha, associar ao mesmo tempo a fixação do olhar, drshti, o que será mais seguro para retenções maiores. Neste caso, não há movimento da cabeça para trás. A medida que a execução da técnica ficar fácil sugere-se ainda a associação do khecharí mudrá ou jíhva bandha, a pressão da língua no palato macio, atrás no céu da boca. Este bandha ou mudrá produz estimulação pelo massajar na pineal; tem-se por objectivo alcançar o triveni[3], o ponto de confluência das nádís, ídá, pingalá e sushumná.
Uma palavra final para a técnica e a sugestão do ganho da felicidade. Diz-se no texto átmani manáso yogád, a união de átman e manas. A passagem há de ser entendida não em sentido literal, mas apontando para o esvaziar do conteúdo da mente, revelando, portanto, o observador, o substrato do campo de observação, ou nas palavras do nátha sampradáya, manomaní o estado de consciência além da mente (mano-maní).
Em função dessa descoberta o texto anuncia o ganho da felicidade. Esta ánanda a que o texto faz referência é claramente o efeito de uma experiência que o pránáyáma proporciona. Como experiência que é, nem esta, nem qualquer experiência, darão ao praticante a liberdade que procura – Moksha. A limitação da técnica e da experiência devem ser bem compreendidas pelo praticante, sob pena de se lançar numa busca que nega a existência do que procura no presente – aqui e agora.
Moksha é algo que precisa ser reconhecido e para tanto requer o conhecimento certo que remova a ignorância – avidyá. Moksha está apenas separada do praticante por avidyá. Consciente disto, o objectivo passa a ser a destruição da ignorância e a procura do conhecimento certo – Brahmavidyá.
Enquanto não nos apercebermos disto tomaremos moksha da mesma forma que os restantes objectivos mundanos que perseguimos, ou seja, como algo que vamos conquistar depois, já a seguir, logo ao voltar da esquina, mas nunca agora. Trazemos para a busca da libertação o mesmo padrão que nos faz querer essa libertação. O padrão de querermos ser algo diferente, de nos querermos tornar nalguma coisa, como ensina o Swami Dayananda, “the process of becoming”. A existência de uma procura demonstra que consideramos não estar na presença do que procuramos. A existência de um buscador nega a existência do que é buscado no presente. O paradoxo é que quando aquilo que busco sou eu e eu sou o buscador, estou a negar a existência daquilo que procuro exactamente onde existe, em mim. O simples facto de me considerar um buscador significa que eu concluí que o que procuro não está na minha presença. Neste sentido, a minha busca só me afasta do que procuro. É este o perigo da técnica se o seu lugar for mal compreendido. A técnica não pode dar-nos a liberdade que buscamos. A técnica dá-nos antah karana shuddhi, a purificação da mente necessária para que o ensinamento se estabeleça
O que procuro é o Absoluto (Brahman) e porque é absoluto não pode ser produzido, já existe agora.
Harih Om!
[1] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[2] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Hathayoga-Pradípiká, Gheranda-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia e ainda de Gheranda Samhitá, Traité Clasique de Hatha Yoga, Original, Traduction, Commentaires, Jean Papin, Éditions Almora, Septembre 2005.
[3] “Cuando [ídá, pingalá] llegan al espacio existente entre las cejas, conocido como Ajña-Cakra, entram en el Susumná, y los tres forman un nudo trenzado, llamado Mukta-trivení.” Sir John Woodroffe (Arthur Avalon), El Poder Serpentino, versión española de la 8ª edición en inglés, 3ª Edição, Editorial Kier, 1995, Buenos Aires, Pag. 90. Diz-se, ainda, na Ha˜ha Yoga Prad…piká “Quando o yogi dobrar a língua para cima e para trás, poderá fechar o ponto em que se cruzam as três nád…s” (III-37). |