Pesquisar:







banner_yoga_pro_br

Ásana

A Prática do Ásana
Miguel Homem
09-10-2005



Conceito

O Ásana é a técnica mais conhecida e visível do Yoga e corresponde às suas posições psico-físicas. Foi definido por Patañjali como sendo a posição física firme e agradável – sthira sukham ásanam – Yoga Sútra II, 46. No ashtánga yoga de Patañjali, o ásana aparece como o segundo anga (parte). Surge logo após os yamas e nyamas, mas antes do prányáma. Sendo o Yoga Sútra a fonte do Yoga enquanto dhárshana, importa percebermos o que se entendia por ásana quando o Yoga Sútra foi escrito. Vyása, comentando o Y.S. II, 47, dizia que “A posição se torna perfeita quando desaparece o esforço para a realizar, de forma a que não haja mais movimentos do corpo.” E Vácaspati complementa “Aquele que pratica o ásana deverá treinar-se persistentemente no sentido de suprimir os esforços naturais do corpo. De outro modo a posição ascética de que aqui se fala não poderá ser realizada.” Tradicionalmente, entende-se que o conceito de ásana de Patañjali se preenche com os dhyanásanas ou ásanas de meditação, por oposição aos restantes ásanas.

Hoje, contudo, o conceito de ásana é bastante mais abrangente e alguns dos ásanas que conhecemos dificilmente se enquadrariam naquela definição. No entanto, B.K.S. Iyengar, no seu comentário aos Yoga Sútras, II, 46, escreve: “Alguns acreditaram que este queria dizer que qualquer posição cómoda serviria. Se assim fosse, tratar-se-íam de ásanas de prazer (bhogásanas) e não de yogásanas. … Mas ásana não faz só referência às posições sentadas utilizadas para meditação. Alguns dividem os ásanas entre os que cultivam o corpo e os que se utilizam na meditação. Mas em qualquer ásana o corpo deve ser tonificado e a mente sintonizada de maneira que possa permanecer mais tempo com um corpo firme e uma mente serena.”[1]

O Ásana no Hatha Yoga

Independentemente do conceito de ásana usado por Patañajli , a verdade é que com o surgimento do Hatha Yoga e o seu desenvolvimento, o seu número e importância dos ásanas aumentaram consideravelmente. O Hatha Yoga é um método de Yoga tântrico que nasceu no período medieval (sec. IX-XII). Sendo um Yoga com fundamento no Tantra (bem como no Vêdanta), a concepção do corpo e consequentemente do ásana transformou-se em relação aos conceitos pré-existentes. Como bem expôs Georg Feuerstein “ as disciplinas do Hatha foram criadas para facultar a manifestação da realidade suprema no corpo e na mente humanos e finitos. Neste ponto, o Hatha Yoga expressa o ideal do Tantra, que é o de viver no mundo a plenitude da realização do Si Mesmo, e não o de fugir da vida para chegar à iluminação. … O praticante do Hatha Yoga quer construir um “corpo divino” (divya-shârira) ou “corpo adamantino” (vajra-deha) para si mesmo … Não se interessa em obter a iluminação mediante o prolongado descuido do corpo físico. Quer tudo: a realização do Si Mesmo e um corpo transmutado no qual possa gozar do universo manifesto nas suas diversas dimensões.”[2]

Os Yamas e Nyamas na prática do Ásana

Muitos consideram os yamas e nyamas como um código de ética que o yogin deve seguir, mas vêem-no sem qualquer ligação com a prática “formal”. Ora, Patañjali não colocou os yamas e nyamas como primeiro anga por acaso. Eles deveriam, e devem, ser conhecidos e compreendidos antes da prática do ásana. Eis os yamas: ahimsá, a não violência, satya, a verdade, asteya, não roubar/honestidade, brahmácharya, a não-dissipação da energia sexual, aparigraha, a não possessividade, e os nyamas sauchan, a limpeza, santosha, o contentamento, tapas, auto-superação, svádhyáya, o auto-estudo íshvara pranidhána, a entrega a íshvara, ao Absoluto.

Ahimsá assume uma relevância fundamental na prática do ásana. Quando executamos um ásana, mesmo um que consideramos já ter dominado e, nesse dia, sentimos desconforto ou dor, e ainda assim prosseguimos, é porque falhámos no primeiro degrau da escada: ahimsá. No ásana a não agressão é de nós para connosco – não respeitarmos os limites do nosso corpo. E aqui entra satya, a verdade, sobretudo quando não respeitamos esses limites de forma consciente. Ser verdadeiro consigo mesmo implica saber e conhecer os próprios limites e ao conhecê-los, assumir as suas limitações, independentemente da sua natureza. Esta verdade remete para asteya, não ir para além do que, sem prejuízo próprio, sabemos poder ir. O praticante precisa de se libertar da ânsia alcançar esta ou aquela posição, neste ou naquele grau de adiantamento – brahmácharya e aparigraha. Para isso é necessário lembrar sempre porque se pratica ásana – com que objectivo estou a praticar ásana neste momento? É o ego que me comanda ou é o Ser que observa? Diga-se ainda que o Yoga não visa desperdiçar energia, bem ao invés. Por isso o ásana deve ser feito com brahmácharya, sem qualquer gasto energético inútil e sem a vontade cega de se conseguir alcançar o mahá (avançado, grande) ásana.

Depois vêm os nyamas. Como escreve B.K.S. Iyengar “o primeiro princípio de nyama é saucha, que significa higiene. Suponhamos que, numa postura, você se dobra bastante sobre o lado direito do corpo. Isso quer dizer que você irrigou e limpou esse lado. Mas se você não se você não se curvou do lado esquerdo em harmonia com o direito como pode haver saucha? Quando os dois lados se curvam em sintonia, são limpos adequadamente e irrigados pelo sangue, que transporta a energia biológica conhecida como prána.”[3]. Para perceber estes e outros processos que ocorrem durante o ásana ele deve ser executado com svádhyáya, com observação e estudo de si mesmo para procurar ir mais além (tapas). Ir mais além na percepção, na compreensão, no auto conhecimento. E fazê-lo em santosha, em contentamento, com desapego (vairágya), sem estar preso a qualquer expectativa, e por isso com íshvara pranidhána – Namaha!

Observações na prática

Como já ficou dito, ásana não é só o exercício físico. À posição física tem de estar associada uma respiração coordenada e uma correcta atitude interior. Os exercícios não devem ser vistos como fins em si mesmos, mas como meios para exercitar a atenção mental. Nas palavras de Pedro Kupfer “O propósito é descobrir a inteligência que está escondida no corpo, a consciência que está escondida no corpo; este é o ponto de partida para poder achar a verdadeira identidade.”[4]

Assim, a posição física dever ser estável e confortável, e a respiração deve ser consciente, profunda, completa, pausada e ritmada. No entanto, estas indicações devem ser adaptadas a cada praticante.

É conhecida a relação entre o Yoga e o Ayurveda desde tempos antigos. Os textos do Hatha Yoga, nomeadamente, fazem frequentes referências aos efeitos das diferentes técnicas sobre os doshas[5]. Assim, “os mesmos ásanas podem ser ajustados consoante os tipos de dosha. Ásanas feitos de forma lenta, estável e suave geralmente reduzem vata. Quando feitos sem aquecimento do corpo, difusão de energia e relaxamento reduzem pitta. Os executados com rapidez, calor e esforço vão reduzir kapha.”[6] Da mesma forma, também o pránáyáma influência de forma diferente os praticantes. Por exemplo, ujjáyí pránáyáma durante a prática de ásana pode ser óptimo para vata e kapha, mas se for forte poderá já não ser tão bom para pitta. Em qualquer caso, o uso de ujjáyí não deve comprometer a respiração ampla. Indicação que se dá por ser comum alguns praticantes iniciantes verem a respiração encurtar quando utilizam o ujjáyí.

Por fim, a atitude interior atrás referida deve ser no sentido de manter a atenção nos diferentes mayakoshas [os cinco veículos em que o Ser (o atman, o purusha) se manifesta] – annamáyákosha, pránamáyákosha, manomáyákosha, vijñánamáyákosha e ánandamáyákosha. A prática de ásana é uma oportunidade para exercitar a consciência de Sakshí (consciência testemunha). Sakshí assume a posição daquele que contempla, observa sem se identificar, sem se deixar levar. Observa a acção, a execução dos ásanas, sem deixar que o fluxo do pensamento e das emoções sejam levados inconscientemente pelo decorrer da prática. Mantém-se lúcido, omnisciente e omnipresente do seu corpo, da sua energia, das suas emoções e pensamentos. Atento, sem julgar e sem criticar. Atento para conhecer, para ampliar a consciência de si mesmo. E é nesse ampliar diário de consciência que se conquista o samadhi.

Esta é, de facto, a chave de sucesso do ásana – a oportunidade de observação consciente. O ásana centrado no purusha, no Ser, e não no ego (ahamkára).

Durante a prática de ásana procure observar as seguintes indicações quanto a:

Respiração

a) De um modo geral aos movimentos para cima associa-se a inspiração e aos movimentos para baixo a expiração.

b) As flexões do corpo para a frente e para os lados são feitas com expiração, já as extensões (flexões do corpo para trás) com expiração.

c) As torções são feitas com expiração.

T.K.V. Desikachar expõe o seguinte princípio geral: “quando contraímos o corpo expiramos e quando expandimos o corpo inspiramos.”. E acrescenta “não inspiramos e expiramos sem atenção, em vez disso asseguramos que a respiração inicia o movimento.”[7]

Compensação

Qualquer ásana em que o corpo esteja numa posição assimétrica deve ser compensado. Os ásanas de flexão devem ser compensados com uma retroflexão ou extensão (flexão para trás); as flexões para o lado esquerdo ou direito devem ser compensadas para o outro lado, e da mesma forma com as torções.

É conveniente que o tempo de permanência nas flexões seja igual ou superior ao das extensões.

Também é conveniente que, quando o tempo de permanência num ásana seja relativamente grande, se faça em seguida uma posição neutra. A compensação imediata pode ser incómoda, pelo que a posição neutra é ideal para reajustar o corpo. Por exemplo, após um paschimottánásana executar um matsyêndrásana ou um purvottánásana/katikásana.

Segurança

Se algum ásana provocar dor ou desconforto, é conveniente evitar fazê-lo nas práticas seguintes. Não ultrapasse a sua resistência e adapte a prática à sua condição física. O ideal é parar antes mesmo de sentir dor. Se esta observação é importante no que se refere à dor muscular, ela deve ser obrigatória no que toca à dor articular.

A prática deve iniciar-se com ásanas mais simples e ir progredindo no grau de dificuldade.

Ekágratá

De acordo com Mircéa Eliade “A nível do corpo o âsana é um ekâgratâ, uma concentração num único ponto: o corpo está «concentrado» numa única posição.”[8] Da mesma forma que o corpo se concentra numa única posição, dentro da posição a atenção deve estar no cerne do ásana, na região mais solicitada. Onde está a atenção, a mente, está o prána. E onde está o prána está o potencial acrescido para se aprofundar a vivência do ásana.

Sequências da prática de ásana

Para definir uma prática de ásana equilibrada haverá que atender, em primeiro lugar, ao efeito dos ásanas sobre a movimentação da coluna e sobre a kundaliní. Deste ponto de vista, são essenciais a uma prática, ásanas de:

1. Flexão

2. Retroflexão (extensão)

3. Torção

4. Inversão.

A estes é também é aconselhável acrescentar ásanas de:

5. Equilíbrio

6. Flexão lateral

7. Tracção.

E as estes os não menos conhecidos:

8. Musculares.

A sequência de prática mais comum começa com ásanas de pé, depois, sentados, deitados e, finalmente, invertidos. Esta sequência tradicional está bem visível na primeira série do Ashtánga Vinyása Yoga. Das restantes que se expõem é a que me parece mais propícia a uma prática de ásana muscularmente mais forte, como também a mais adequada para desenvolver os ásanas de pé, que constituem a estrutura base de todos os ásanas e que por isso dão o suporte a outros mais exigentes. É, pois, a sugerida para desenvolver trikonásanas, párshvákonásanas, vírabhadrásanas, párshvotánásana e padottánásana, e quanto a mim, ideal para ser combinada com ujjáyí pránáyáma (sobretudo quando feito de forma mais intensa), uddiyana bandha e múla bandha. Uma vez que começa de pé, pode ser sempre iniciada com o tradicional súrya namaskára que pode ser feito com os respectivos mantras ou bija mantras, mas sobretudo relembrando a reverência que primitivamente o fez surgir – namaskára.

Outra sequência conhecida é a oposta àquela, ou seja, começando por ásanas de inversão, depois deitados, sentados e em pé. Uma prática de ásana que começa com uma invertida implica um maior à vontade do praticante no ásana, e também um maior grau de concentração. Por outro lado, uma invertida inicial potencia um maior aquietamento e introspecção que podem ser utilizados para aprofundar a vivência do ásana, sobretudo a consciência de sakshi. Este esquema costuma ser mais exigente do ponto de vista articular, uma vez que começa a desenvolver-se no chão e só depois sobe. Por este motivo, costuma ser evitado para alunos com pouco tempo de prática.

B.K.S Iyengar dá também exemplos de práticas que começam com invertidas e seguem depois o esquema de pé, sentado, deitado e invertido. Dentro destes, parecem-me particularmente interessantes as sequências em que, após a invertida (seja sobre a cabeça ou sobre os ombros), o tronco e a cabeça não se levantam. Por exemplo, após um shírshásana (e respectiva posição de descanso) executar um pádahastásana/uttánásana. No entanto, fazê-lo sem elevar o tronco, subindo para o pádahastásana já em semi-flexão. A observação diz-nos que quando estamos em pé, com o tronco erecto, estamos mais alerta para o mundo exterior. Quando estamos no chão, sentados ou deitados, naturalmente estamos mais introspectivos, mais voltados para dentro. O objectivo é então evitar qualquer dispersão e aproveitar o potencial criado pela anterior permanência num shírshásana.

Esta sequência, tal como a mencionada anteriormente, é ideal para explorar o pránáyáma ritmado no ásana. Para que o pránáyáma possa fluir de forma livre, sem esforço, devem ser evitadas quaisquer tensões. Assim, nas primeiras práticas devem ser evitados ásanas de grande esforço ou as variações mais avançadas. Da mesma forma, os bandhas e drishtis devem ser acrescentados se não forem um factor de tensão. O pránáyáma no ásana deve ser um auxiliar a uma vivência mais profunda, uma forma de ligar ao presente, à vivência de nós mesmos. O pránáyáma ritmado deve ser visto não como uma forma de tapas (auto-superação), mas como forma de permitir uma melhor observação. Ao dirigir a atenção à respiração, e ao manter a respiração num padrão sistemático, é possível ir para além da respiração. Conseguimos observar o efeito de cada inspiração e expiração. A cada ciclo aumenta a introspecção, diminui a atenção que se dirige para fora. Ora, se nos observamos conscientemente, é porque vamos no bom caminho, no caminho do auto-conhecimento. Por outro lado, observa-se que a prática de ásana com pránáyáma ritmado permite um maior tempo de permanência e um maior progresso em cada posição. Progresso resultante não de um esforço activo, mas da simples influência da respiração sobre o corpo. Também interessante é a utilização de manasika japa (a repetição mental de um mantra) como forma de contagem do tempo no ritmo. Entre outros pode ser utilizado o pranava: Om.

As considerações deixadas são pessoais e fruto da própria experiência. Algumas poderão ser mais relevantes para práticas em grupo. Pessoalmente, prefiro uma prática com uma orientação determinada onde não se passe de cima para baixo e de baixo para cima. Julgo que estes movimentos produzem dispersão da atenção e de energia, sobretudo em praticantes menos experientes. No entanto, caberá a cada um observar-se e perceber o que é válido para si.

A mesma intenção de evitar a dispersão de atenção e energia aconselha a que se mantenha um encadeamento entre os ásanas, para que estes não se sucedam de forma estanque, mas se desenvolvam naturalmente de uns para os outros. Disto são exemplificativas as sequências de ásanas apresentadas por Sharon Gannon e David Life no seu “Jivamukti Yoga, Practices For Liberating Body and Soul”. Ali demonstram-se sequências em que os ásanas se desenvolvem uns a partir dos outros num continuum ininterrupto. Esse continuum do movimento físico ajuda a manter o mesmo continuum em níveis mais subtis. Citando Sharon e David “quando ásanas individuais são correctamente interligados, o resultado é um mantra fisiológico. … A mudança acontece permanentemente, mas normalmente a sequência das mudanças aparecem ligadas pelo inconsciente; em outras palavras a mente consciente falha em percebê-las.”[9] O encadeamento ou vinyasa krama visa, então, unir os ásanas de forma consciente. E para esse fim, a respiração e o encaixe sucessivo das posições andam de mãos dadas.

Miguel Homem

miguelhomem@gmail.com

[1] B.K.S. Iyengar, Luz sobre los Yoga Sútras de Patanñjali, 1ª Edição, Editorial Kairós, 2003, Barcelona, pag. 232.

[2] Georg Feuerstein, Tradição do Yoga, 2ª Edição, Editora Pensamento, 2001, S. Paulo, pags. 66-67.

[3] B.K.S. Iyengar, A Árvore do Ioga, A eterna sabedoria do ioga aplicada à vida diária, 1ª Edição, Editora Globo, 2003, São Paulo, pag. 90.

[4] Pedro Kupfer, Yoga Prático, 3ª Edição, Instituto Dharma, Florianópolis, pag. 68.

[5]Veja-se, por exemplo, o comentário da Hatha Yoga Pradipika, I, 31 (tradução de Pedro Kupfer), a propósito do mayúrásana: “Este ásana cura diversas doenças como o inchaço do abdómen, moléstias digestivas (gulma e udara) e outras enfermidades abdominais; elimina as disfunções provocadas pelo desiquilíbrio de váta, Pitta e kapha;…”

[6] David Frawley, Yoga & Ayurveda, Self-Healing and Self-Realization,1ª Edição, Lotus Press, 1999, Winsconsin, pag. 215. Veja-se também do mesmo autor Yoga for tour Type, An Ayurvedic Approach to Your Asana Practice.

[7] T.K.V. Desikachar, The Heart of Yoga, developing a personal practice, Inner Traditions International, 1999, Vermiont, pag. 21.

[8] Mircéa Eliade, Patañjali e o Yoga, 1ª Edição, Relógio D’Água Editores, 2000, Lisboa, pag. 72.

[9] Sharon Gannon e David Life, Jivamukti Yoga, Practices For Liberrating Body and Soul, 1ª Edição, Ballantine Books, 2002, Nova Iorque.


Partilhe este artigo: 
| Mais


 

 



Desenvolvido por pontodesign  
 X