Dentre os quatro ramos tradicionais do
Yoga, sendo eles Karma, Bhakti, Rája e Jñána , este último é aquele tido como o
mais difícil de ser praticado e compreendido.
Correta ou não esta divisão e a
afirmação, alguns shástra esclarecem
o porquê da dificuldade enumerando os requisitos que o praticante deste Yoga
deve ter para que possa desenvolver seu sádhana
mental.
Entendendo-se Vedánta como Jñána Yoga, o mestre Sri Shankaráchárya estabeleceu alguns
requisitos para o jijñásu ou adhikár…, aquele que deseja átmavidyá ou o qualificado para o
autoconhecimento.
No Tattva Bodha, texto este direcionado àqueles que desejam o
conhecimento da verdade, quatro qualificações e seis virtudes são os pré-requisitos
para o praticante. Não que devam estar todos presentes, mas que haja a
incidência de alguns. Com o tempo e a dedicação, automaticamente, aqueles que
estavam ausentes se tornam presentes?
Elenca as qualificações como sendo:
- Discriminação entre o eterno e o não-eterno. Esta é a base de todo o ensinamento. Discernir entre o
ilimitado e o livre de limitação é fundamental, pois o ser humano é movido
por desejos e aversões na busca eterna pela felicidade, cego de que aquilo
que é limitado fatalmente lhe trará frustração. A identificação do mundo
relativo como ausente de luz própria e a verdade sobre a única luz que dá
existência a tudo é que trará, por fim, a satisfação e o entendimento de
que o buscador já é tudo o que precisa ser, ou seja, pleno. Só através da
discriminação entende-se o valor dos valores do mundo relativo e do
Absoluto. O conhecimento incorreto atribuindo-se eternidade ao não-eterno
é a causa primordial de sofrimento. Tudo tem início, duração e fim, menos átma que é eterno e livre de
limitação.
- Desapego pelo desfrutar do resultado da ação neste mundo e no
outro. Aqui se entende vairágya. E a única situação na qual é realmente compreendido
é aquela aonde o discernimento entre o eterno e o não-eterno vem primeiro.
Somente após ter identificado o valor do valor, quantificado aquilo de que
se está abrindo mão como ausente de ser fonte de felicidade é que se tem o
entendimento correto de vairágya;
caso contrário é desistência. Percebe-se que é desistência quando
apresentada uma situação diversa daquela onde se abriu mão por achar ter
entendido ser o objeto desprovido de valor, a pessoa muda e faz diferente,
desejando e adquirindo. É desistência por não haver possibilidade de
aquisição e não por entender que aquele objeto não era fonte de
felicidade. Quando há o entendimento o desapego aos frutos das ações é
natural. Não existe sentimento de perda. Quantos renunciantes retornam ao
mundo, ao vyavahára, após certas
experiências ou situações? Isto identifica o não entendimento ainda da
instituição da renúncia. Talvez não fosse a época correta, algo ainda
restava a ser vivenciado.
- O grupo de seis virtudes a começar por Shama. O texto descrevia quatro qualificações, mas eis que, para
surpresa geral, ele acrescenta dentro de uma qualificação seis virtudes.
- Shama, gerenciamento sobre a mente.
É a capacidade de controlar e conhecer a mente, suas reações, impulsos,
etc. Não deixar que ela vagueie em todas as direções, mas sim pelo caminho
escolhido pela pessoa. Saber o que perturba, o que agrada, o que
entristece, ou seja, conhecer as sementes da personalidade para que não
seja levado pelas situações, estando sempre atento às ações e reações caso
estas aconteçam.
- Dama, domínio sobre os órgãos dos
sentidos e órgãos de ação. Aqui é como se fosse um segundo estágio para
que as ações sejam conhecidas a um nível mais denso, do corpo, para que,
se ultrapassarem shama sejam
aqui então conhecidas e dominadas. A prática da repetição do controle e
domínio sobre os órgãos dos sentidos e de ação leva a shama. Assim, deixa de viver no
automático e passa a estar atento a tudo.
- Uparama, o cumprimento dos próprios
deveres, svadharma. Na tradição
hindu, cada um deve cumprir seu dharma,
pois é isto que sustenta o mundo do jeito como ele é. De nada adianta
fazer aquilo que é dever de outro. Cumprir o seu dever dentro da sociedade,
mas sempre tendo como objetivo maior o autoconhecimento. Para isto é
necessário shama e dama.
- Titikshá,
lidar com os opostos equanimente, tolerância. O mundo é dual e
constantemente se modifica. Essa é sua natureza. O ser humano acaba
cansando do bom e do ruim porque deseja sempre a mudança de acordo com
suas projeções, padrões, etc. A capacidade de lidar com estas situações,
mas com a mente sátvica, entendendo e tolerando o mundo e as pessoas como
elas são. Não é uma aceitação de tudo, mas uma compreensão e inteligência
em lidar e acomodar as situações da melhor maneira possível.
- Shraddhá, fé no ensinamento e no Guru. Um exemplo claro que explica
esta virtude é aquele da sala escura. Há um ambiente escuro dentro da
casa, todo mobiliado e decorado. Após acender-se a luz, se pode observar
tudo que há no ambiente. Significa que os móveis, a decoração, sempre
existiram no recinto. A ausência de luz é que impedia de serem vistos.
Assim é o autoconhecimento. O Guru
é aquele(a) que traz a luz para que se veja a real natureza de existência,
consciência e plenitude que já somos. Logo, o conhecimento não é adquirido,
mas revelado na pessoa, que já o possuía sem saber. Este é o papel do
Mestre, fazer com que a pessoa veja o que ele vê, da mesma maneira que
aprendeu. Daí infere-se que não se aprende Vedánta apenas lendo. Precisa
da transferência da visão. Quanto mais se confia, mais shraddhá se estabelece. Não é uma
fé cega. É um processo de conhecer a pessoa e criar uma confiança, aos
poucos, questionando e observando. Aí o elo se forma e o conhecimento
flui, dia após dia. Surge a entrega plena em confiança.
- Samádhánam, capacidade de fixar a
mente na contemplação da real natureza do Ser. É a capacidade da mente em
estar concentrada, mas não em qualquer objeto. Não se pode descrever átma. Deve se ter uma mente com a
qualidade de concentrar-se em algo abstrato e lá manter-se com pensamentos
da mesma natureza.
- E o desejo por libertação. Encerra
as quatro qualificações com aquela que é a que consome todos os desejos,
ou seja, aquilo que finalmente libertará do sofrimento e da busca. O
desejo pelo infinito, livre de limitação. Levará, assim, ao entendimento
de que somente o autoconhecimento libertará do samsára. É aquela velha estória dos “cabelos pegando fogo”.
Descreve-se a pessoa que anseia por libertação como aquela que tem seus
cabelos em
chamas. Precisa imediatamente de água, pois a cabeleira
queima muito rápido. Assim é o desejo por libertação, urgente. E a
tradição nos shástra é clara já
que Pátañjali ensina nos sútra I.22 e I.23 que “o samádhi
está próximo para aqueles motivados e vigorosos na prática” e “a diferença
no resultado está em função da motivação que pode ser de três tipos:
suave, média ou forte”.
Daqui conclui-se que a dedicação
deve estar presente, como em qualquer prática de Yoga, mas certos atributos são
bem específicos. Lembre-se sempre que o dom é de Íshvara e não do jíva.
Assim, é um conhecimento acessível a todos que queiram se libertar dos
condicionamentos, padrões, projeções, julgamentos, etc., entendendo e
compreendendo melhor toda a complexidade da mente humana.
Este autoconhecimento é que nos
torna livres das limitações dos upádhi,
revelando-nos que nossa real natureza é existência, consciência e plenitude.
OM TAT SAT
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