Pesquisar:







banner_yoga_pro_br

Ensinamento

O Sámkhya no Yoga Sútra
Gonçalo Correia
15-06-2007


patanjali_1

Para um estudo profundo e uma compreensão clara do Yoga de Patañjali é essencial conhecer pelo menos alguns elementos teóricos e explicações filosóficas do sistema Sámkhya1. Os conteúdos destas duas escolas são de tal forma semelhantes, que a maior parte das afirmações para um são também válidas para o outro. Contudo, existem duas diferenças essenciais: enquanto o Sámkhya é ateu, o Yoga é teísta, já que postula a existência de um ser divino, um ‘purusha especial’2, chamado Íshvara3; enquanto que para o Sámkhya a única forma de salvação é através do conhecimento metafísico, o Yoga concede às técnicas de meditação uma importância considerável.

Purusha e prakriti

No Sámkhya, a realidade é percebida como a combinação entre duas entidades ou pólos distintos: o ser puro (purusha) e a substância primordial do universo (prakriti). Como resultado dessa interacção, surge a evolução (parináma) de todo o universo material. No Sámkhya Káríká4, Íshvara Krishna ensina-nos que “o ser puro é aquele que vê (sákshi), está isolado (kaivalyam), é indiferente, simples espectador inactivo.” Por outras palavras, purusha é a consciência testemunha, eterna e silenciosa de tudo o que foi, é e será. A prakriti, a natureza, também é real e eterna como o purusha, mas ao contrário do espírito, é dinâmica e criativa.

Quando seus componentes primários (gunas) se manifestam simultaneamente mas em proporções desiguais, a prakriti sai do seu estado inicial de equilíbrio perfeito (alinga, avyakta) e assume especificações condicionadas. Por essa razão podemos dizer que o processo de evolução é conduzido pelos gunas.

Os gunas

Os gunas5 são três: sattva (harmonia, equilíbrio), rajas (acção, movimento) e tamas (inércia, inactividade). Vijñanabikshu6, um dos maiores comentadores do Yoga Sútra, faz-nos uma analogia entre os gunas e as fibras de uma corda: “assim como as fibras são inerentes na produção de uma corda, também os gunas são o fundamento e impregnam a prakriti.”

Chitta

Os primeiros e mais subtis elementos ou fenómenos que surgem da prakriti são, por esta ordem: a inteligência (buddhi), o ego (ahamkára) e a mente inferior (manas). Este conjunto constitui o âmago do indivíduo, as três faculdades cognitivas combinadas, referido por Patañjali como consciência distintiva, a mente finita, em sâncrito chitta. Buddhi como a parte mais subtil e transparente da consciência, produz a intuição, o julgamento, o discernimento, o conhecimento, a vontade e o desapego. É também o elemento que faz a ligação entre o purusha e o mundo exterior. Esta função de buddhi será objecto de detalhe mais à frente. Ahamkára produz o sentido de individualização, o que faz o ‘eu’ e o que introduz a distinção entre sujeito e objecto. Manas permite-nos pensar, sentir, desejar e governar os sentidos.

Os gunas e a produção de vrittis

Os gunas são interínsecos à prakriti e impulsionam a evolução de chitta e de toda a realidade manifesta a partir da prakriti. Como já foi referido, é a inteligência (buddhi), na sua forma de pura ‘luminosidade’ (sattva) que tem a qualidade específica de reflectir o espírito cósmico. A compreensão do mundo exterior só é possível graças a essa reflexão do purusha na inteligência. Mas antes é necessário eliminar a influência de rajas e tamas na produção das modificações (vrittis) na consciência (chitta) e maximizar a presença de sattva, o mais puro dos gunas. Deste modo, a consciência desenvolve o conhecimento discriminativo (viveka khyáteh)7 e o indivíduo consegue ter uma imagem verdadeira de si próprio.

Percebendo melhor a relação entre purusha e buddhi

Acerca da relação existente entre o ser e a inteligência, Patañjali (YS. I. 41) ensina-nos que “quando os vrittis são enfraquecidos, a consciência (chitta) aparenta tomar a forma do objecto da meditação - seja ele o conhecedor (grahita), o processo de cognição (grahana) ou o objecto conhecido (gráhya) - como uma jóia transparente. A esta identificação é chamada samápatti ou absorção.”

Por outras palavras, assim como uma flor é reflectida num cristal, buddhi reflecte o purusha. Como nos esclarece Mircéa Eliade, “só um ignorante pode atribuir ao cristal as qualidades da flor (forma, dimensões e cores) nele reflectidas, porque quando ela se move, a sua imagem move-se no cristal, embora este permaneça imóvel e inalterado. É uma ilusão acreditar que o espírito é dinâmico porque a experiência mental o é. Na realidade, trata-se apenas de uma relação ilusória (upádhi) que se deve a uma ‘correspondência simpática entre purusha e buddhi’.”8

Bibliografia

- Georg Feuerstein, A Tradição do Yoga, Pensamento.

- Mircéa Eliade, Patañjali e o Yoga, Relógio D’Água.

- Námarúpa, Categories of Indian Thought, Spring 2003.

- Pedro Kupfer, Yoga prático, Dharma.

- Ráma Prasáda, Patañjali’s Yoga Sútras, Munshiram Manoharlal Publishers Pvt. Ltd.

Notas

1 - Literalmente significa ‘enumeração’, de samkhyá, ‘número’. Tal como o Yoga, é uma das seis escolas clássicas de pensamento do hinduísmo, que trata da classificação dos vários princípios (tattva) ou categorias da existência.

2 – ver YS. I. 24

3 – Nas interpretações tardias do Sámkhya e do Yoga Sútra, este modelo arquétipo do praticante de Yoga, adquire o estatuto de deus supremo. Na metafísica tântrica, Íshvara aparece identificado com o bindu, o ponto a partir do qual se expande o Universo.

4 - Texto fundamental do Sámkhya Clássico. Íshvara Krishna é o seu autor.

5 - Para além do sistema Sámkhya, podemos também encontrar inúmeras referências sobre os gunas e suas características, por exemplo, no Bhagavad Gítá, nomeadamente nos capítulos XIV, XVII e XVIII.

6 - Vijñána Bhikshu é um dos comentadores do Yoga Sútra de Patañjali, do século XVI d.C., autor do Yoga Várttika (‘Tratado de Yoga’) e do Yogá Sára Samgraha (‘Compêndio da Essência do Yoga’), que é uma síntese do seu volumoso tratado.

7 - “Com o desaparecimento [destruição] das impurezas através da prática dos membros do Yoga, [brilha] o fulgor da sabedoria (jñána), [que aumenta até chegar] à visão do discernimento.” YS. II. 28

8 - Patañjali e o Yoga, pg 42.


Partilhe este artigo: 
| Mais


 

 



Desenvolvido por pontodesign  
 X