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Ensinamento

O Yoga e eu ... e nós?
Tales Nunes
08-09-2007


Se eu não estiver a meu favor, quem estará?

Se eu só estiver a meu favor, o que sou eu?

Se não for agora, quando será?

 

Rabino Hillel

 

“Qual o sentido da vida?” Perguntou-me um amigo há pouco tempo atrás. Essa é uma pergunta que todos deveriam se fazer em determinado momento da vida. É inquietante, nos tira do nosso conforto, mas exatamente por isso, tem o poder de nos redirecionar e nos levar a novos caminhos. O Yoga pode tanto nos levar a fazer tal pergunta, como pode nos ajudar a respondê-la, a partir da idéia de dharma.

 

Em minhas meditações, a resposta mais convincente que vem à minha mente todas as vezes que me faço essa pergunta é: o sentido da vida é ajudar os outros. Ajudar de qualquer maneira, com a habilidade que estiver ao meu alcance, em pequenos ou grandes atos. Ou seja, descobrir o meu dharma, o meu papel nesse momento e nesse lugar, dentro da sociedade, é fundamental a mim e aos outros. A conversa que tive com o meu amigo fez-me pensar sobre este assunto, a música do cantor que agora escuto me desperta sentimentos sublimes. Ambos me motivaram a escrever. Posteriormente, este texto pode ser uma luz a alguém que vai ajudar outra pessoa e por aí vai. É um encadeamento de ações que formam uma rede, um todo entrelaçado de solidariedade e reciprocidade.

 

Entretanto, atualmente, acredito, estamos mergulhados num individualismo que nos faz perder a consciência desse todo. Há um filósofo alemão que gosto muito e que nos estimula a pensar sobre a modernidade, Georg Simmel. Ele num dos seus trabalhos mais importantes, “As grande cidades e a vida do espírito”, diz que os habitantes das grandes cidades, como conseqüência basicamente da monetarização da economia, desenvolveram quatro características próprias de personalidade: Intelectualismo, adquirido pela necessidade de conter suas emoções e agir de maneira racional; a reserva mental, mecanismo de proteção da individualidade, criador de distâncias nas relações cotidianas; espírito calculista, resultado da necessidade de sobreviver numa sociedade altamente quantitativa; e a atitude blasé que segundo ele: “não há talvez fenômeno psíquico que tenha sido tão incondicionalmente reservado a metrópole”1.

 

A atitude blasé é resultado da exposição dos habitantes urbanos a diversos e contrastantes estímulos sucessivos, a ponto de se chegar ao esgotamento do poder de discriminação. O indivíduo, desta maneira, vive num estado de dormência, ignorando consciente ou inconscientemente, grande parte, ou talvez a maior parte dos estímulos que recebe na cidade. Se não fosse assim, os habitantes dos grandes centros entrariam num estado mental de excitação tal que levaria ao embotamento dos nervos, a neurose, dada à diversidade, velocidade e intensidade dos estímulos aos quais estão expostos. Muitas vezes estímulos contrastantes ou contraditórios.

 

Um outro filósofo, posteriormente, Louis Wirth, influenciado pelo pensamento de Simmel, falou sobre a impessoalidade e a superficialidade das relações no meio urbano. Segundo o autor, na cidade, apesar de estarmos cercados de pessoas, nossas relações para com elas são em sua maior parte de utilidade.

 

São essas características que nos trazem o sentimento de solidão, mesmo em meio à multidão. Que nos faz perdermos a noção e a consciência do todo quando vivemos em sociedade. Nós ingerimos alimentos que muitas vezes não sabemos de onde vem ou por quem foi produzido. Consumimos produtos que não sabemos do que é feito e quem empenhou o seu trabalho para fazê-lo. E como diz Pedro Kupfer, no prefácio do Yoga Prático2, saímos de uma caixinha a outra. Quando nascemos, nos colocaram numa caixinha (berço). Moramos em caixinhas (quartos), dentro de caixas maiores (apartamentos), as quais, por sua vez, estão dentro de outra caixa (prédio). Neste,  muitas vezes, sequer conhecemos as pessoas que moram nas caixinhas ao lado. Daí, saímos dessa caixinha e entramos noutra, móvel (carro), na qual muitos colocam vidros fumê para não serem vistos, e nos dirigimos ao shopping center, ao mercado, ao trabalho, caixas enfeitadas de maneiras diferentes. E, quando morremos, nos colocarão dentro de um caixão.

 

Vivemos cada vez mais juntos fisicamente, com uma população humana cada vez mais crescente e com tecnologias que nos aproximam de pessoas que estão há milhares de quilômetros de distância, mas nos distancia de pessoas que estão ao nosso lado. Certa vez, trabalhei numa aldeia indígena que está localizada numa ilha do rio São Francisco. Antes da televisão chegar no local, as pessoas, ao anoitecer, juntavam-se para tocar, contar histórias e confraternizar juntos. Depois que a televisão chegou, cada família fica na sua casa assistindo as enriquecedoras novelas “globais”.   Estamos cada vez mais próximos fisicamente, dependentes uns dos outros intelectual, material e economicamente, no entanto, psicológica e espiritualmente, não sei se estamos tão próximos. Mais importante, parece-me, é mantermos a nossa privacidade a mantermos laços de coletividade, de associações, de solidariedade.

 

E em meio a isso, muitos dizem que a nossa insatisfação vem da falta de tempo para nós mesmos. Eu digo, a nossa insatisfação vem da falta de consciência do que estamos fazendo para o todo. Por exemplo, temos pouca ou nenhuma noção de quem estamos ajudando ou prejudicando com o nosso trabalho. A maior parte das pessoas está muito mais preocupada com o quanto ganha. Alguns conseguem permanecer anestesiados por mais tempo, preocupados apenas com o dinheiro e com a realização de desejos pessoais. Outros páram no meio do caminho, com um pequeno, ou imenso, vazio que insiste em permanecer e começam a dar uma espiada ao redor e se perguntarem, como o meu amigo: Qual o sentido da minha vida? Logo vou deixar esse plano que vivo hoje e o que eu fiz para os que vão ficar?

 

Desculpem a metáfora organicista, mas parece que estamos dentro de um organismo doente que se auto-consome e que não tem tempo de parar para se cuidar. Esta é a nossa sociedade. O que fazer, então? O que podemos fazer  para curar esse organismo? Precisamos, primeiro, conhecer as suas partes, depois entender como elas funcionam entre si, dando forma ao todo. Estas partes precisam trabalhar harmoniosamente uma em relação com as outras para que o equilíbrio seja retomado. Cada uma dessas partes só tem sentido em relação com as outras. As partes somos nós que, em nossos relacionamentos com os outros, damos vida à sociedade. Sozinhos, nossa vida não tem sentido. Quando descobrimos o nosso papel no todo, nossa vida ganha sentido. O que eu posso fazer para ajudar os outros e, conseqüentemente, ajudar esse organismo a se curar? Essa é uma pergunta importante, talvez, essencial a ser feita.

 

E é exatamente nesse ponto que vejo a importância do Yoga, como transformação, primeiramente, individual, e logo coletiva. Na viagem que proporciona o Yoga em direção a nós mesmos - durante a qual surgem diversas perguntas, dúvidas sobre a nossa existência - no retorno, que é próprio a qualquer jornada, leva-nos ao todo, a todos. Leva-nos à consciência do todo e nós enquanto parte dele.  Ao nos levar a um maior centramento, o Yoga propicia o des-centramento, a percepção de que as necessidades egóicas minhas, são as dos outros e que o desenvolvimento das minhas habilidades inerentes, o meu dharma, podem e devem ajudar os outros. Esse movimento de mergulho em si e retorno aos outros deve ser diário, a medida que criamos, uma vez por dia, um espaço para refletirmos sobre o que fizemos durante o dia, de que maneira agimos, quem ajudamos, quem, talvez, prejudicamos e pensarmos como podemos melhorar. Assim, nos damos conta que o nosso dharma talvez não seja estático. A medida que crescemos, as nossas habilidades mudam e a maneira que podemos ser úteis aos outros e nos realizarmos pessoalmente também.

 

Daí, as nossas práticas de Yoga começam a ocupar as 24 horas do nosso dia e deixa de servir apenas ao nosso bem estar, como é colocado e propagado em revistas e meios superficiais de divulgação. O potencial latente da prática de Yoga é plenamente aproveitado à medida que nos ajuda a sermos pessoas mais centradas, conscientes em ações e práticas e, dessa maneira, é um veículo de transformação do todo. Aí sim, o Yoga cumpre o seu papel. Aí sim, nós cumprimos o nosso papel, o nosso dharma.

 

A citação do filósofo William James, presente na introdução do livro Yoga Prático, faz-nos refletir sobre o desenvolvimento das nossas potencialidades pessoais:

Não tenho nenhuma dúvida de que a maioria das pessoas vive, seja física, intelectual ou moralmente, num círculo deveras restrito do seu ser potencial. Elas usam uma parcela ínfima da sua consciência possível ... mais ou menos como o homem que adquire o hábito de usar e de mover, de todo seu organismo físico, apenas o dedo mínimo ... Todos nós temos reservatórios de vida a serem reaproveitados, com que sequer sonhamos.

 

Pensemos em Gandhi e como uma pessoa pode canalizar e despertar sentimentos de compaixão e paz e reunir tantas pessoas ao seu redor, em prol de um bem comum. Gandhi tinha plena consciência do seu dharma, e assim levou uma nação à independência. Pensemos em Hitler e como uma pessoa pode canalizar tanta energia de destruição e raiva. Hitler também estava plenamente consciente do seu dharma, e levou uma nação à guerra e à destruição.

 

Inspiremo-nos no primeiro e sigamos em frente guiados pelo nosso dharma, pois no mundo em que vivemos não há mais lugar retirado no meio do nada para nos refugiarmos da vida em coletividade. A terra está ficando pequena e a nossa responsabilidade pessoal para cuidar dela e de todos que nela vivem cada vez maior.

 

Hari Om

 

Tales Nunes mora em Florianópolis e é mestrando em Antropologia Social pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

 

NOTAS

1 SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. 1997, p. 18. Disponível em: <www.scielo.br>.

2 KUPFER, PEDRO. Yoga Prático. Florianópolis: Instituto Dharma, 2001.

 

OUTRA SUGESTÃO DE LEITURA

CHOPRA, Deepak; SIMON, David. As sete leis espirituais da ioga. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

 


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