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Ensinamento

Descobrir o sentido do Pújá
Miguel Homem
08-02-2007


            Este texto é uma reflexão de um ocidental sobre o pújá (pújá significa “oferenda”), o seu fundamento teórico e a sua conjugação com uma prática pessoal.

            Da mesma forma que os rishis antigos descobriram os segredos do corpo e da mente humana, bem como os segredos do universo, perceberam os meios ao seu alcance para que o ser humano se pudesse redescobrir na relação consigo e com o universo. O pújá é um desses meios.

 

            Aham Brahma’smi (Eu sou Brahman), diz um dos quatro mahávákyas, as grandes afirmações vedicas: “O Ser que sou é o mesmo Ser que permeia o universo”. Sucede que, para que eu possa realizar o verdadeiro significado da afirmação é preciso que, por um lado, eu me reconheça como o Ser e, por outro, que reconheça essa Inteligência que permeia o universo (Brahman). Da mesma forma que para que uma célula do meu corpo se possa reconhecer como sendo eu, é preciso que ela se reconheça como uma célula do meu corpo e, portanto, de mim, mas também que me reconheça como o seu universo. É precisamente nesta descoberta que entra o poder do pújá.

            Aham Brahma’smi: “Eu sou o Todo, o Pleno!” O Pleno é algo que o ser humano não consegue abarcar, delimitar, dar forma, porque o infinito não tem limites que comportem náma-rúpa (“nome-e-forma”). Assim sendo, o ser humano procurou uma forma de estabelecer essa relação e reconhecimento. Não podendo atribuir uma forma ao Todo, procurou “desenhar” formas que representassem manifestações ou facetas desse Todo. E através dessas manifestações relacionar-se com Brahman.

            O pújá tal como foi desenvolvido dentro do Sanatana Dharma, não é mais do que uma forma do individuo reconhecer Brahman, por um lado, de se reconhecer como Brahman, por outro, e de estabelecer uma relação com ele. Essa relação cultiva-se através da entrega dos frutos das nossas acções – karmaphalam – à Inteligência da ordem universal – Íshvara praŠidhána – e aceitação de todas as suas manifestações, sejam quais forem as formas em que se apresentem – ká‰ti.

 A questão está, então, em perceber a importância de Íshvara pranidhána e de ká‰ti e de que forma elas são desenvolvidas através do pújá.

            O pújá dentro do Sanatana Dharma obedece a um processo e ritual próprio, que não cabe aqui e agora dissecar. Através da sua prática diária e constante, o praticante começa por criar um momento dentro da sua vida em que se dedica a uma tarefa cuja resultado seria, a princípio, adrishta, não visível. Ou seja, dedicamo-nos a uma acção sem poder esperar algo específico em troca. O nosso Mestre, Swami Dayananda, ensina, por isso, que a prática do pújá é, para aquele que vive no samsára, a única acção em que verdadeiramente o livre arbítrio é absoluto e não condicionado. Sabendo-se que o resultado das acções humanas pode ser imediatamente visível ou, pelo contrário, não visível, habituamo-nos a agir com a atenção e o foco nesse resultado visível. Vale dizer que nos colamos ao resultado das nossas acções. E quando o resultado delas não corresponde ao que havíamos programado sofremos. O pújá desenvolve no praticante a atitude de agir com aceitação de qualquer resultado. Não que não se faça pújá com uma expectativa, porque sempre existe expectativa na acção humana. Se assim não fosse o ser humano não agiria. A diferença está na aceitação do resultado da acção. O pújá cria esse hábito de agir sem poder controlar, seja de que forma for, o resultado da acção.

            A par e passo, a cada pújá paramos para reconhecer a existência dessa Consciência que permeia o universo e que se manifesta na ordem perfeita que o regula. Esse reconhecimento vai criando um sentimento de devoção relativamente à Natureza, ao Universo, a tudo com que nos deparamos. Fala-se em devoção e logo nos surge o Bhakti Yoga. Por vezes, vemos o Bhakti Yoga como outro ramo do Yoga. Outra prática. Ora, o Swami Paramarthananda ensina que essa é uma falsa concepção. Na verdade o bhakti e o bhakta têm de estar presentes no Yoga de forma geral. Se assim não for nunca se compreenderá verdadeiramente o seu ensinamento. Como posso compreender o ensinamento do Jñána Yoga sem Brahman? Como posso compreender o Ashtánga Yoga de Patañjali sem Íshvara Pranidhána? Como posso compreender o ensinamento do Karma Yoga sem Íshvara Pranidhána e sem Íshvara Prasáda?

 

            Vejamos melhor este aspecto. A conexão do Karma e do Bhakti Yoga é intrínseca. De facto, o que nos faz conseguir a aceitação pacífica dos resultados das nossas acções? Quando agimos sabemos que fruto dessa acção pode ser igual ao que esperamos, melhor do que esperamos, pior do que esperamos ou completamente diferente do que o que esperávamos. Quanto a lidar com a primeira e a segunda hipóteses não nos surgem grandes dificuldades, mas como lidar com as restantes?

            Para lidar com o fruto das nossas acções o primeiro passo está no momento em que as executamos. O ser humano inteligente age num determinado sentido, mas reconhece que para que a sua acção produza o efeito desejado concorrem várias condicionantes. Algumas, ele consegue controlar, outras estão totalmente fora do seu controlo. Sabendo isso, a atitude inteligente é agir abrindo mão desse controlo, que já não se tem. Se abandono esse controlo, porque reconheço não o ter, estou a “entregá-lo” à ordem universal, a Íshvara. Exactamente porque reconheço aquela ordem sei que qualquer que seja o fruto da minha acção, ele está em perfeita harmonia com essa ordem e vejo nesse fruto, mesmo o desagradável, a revelação da manifestação do Todo. Como manifestação dessa ordem aceito-o com naturalidade, como perfeito, da mesma forma que aceito com naturalidade e perfeição a lei da gravidade, as marés e o movimento de rotação da Terra. Desta forma, começo a receber os frutos das minhas acções como Íshvara prasáda, como um presente. Se os recebo dessa forma, mais não posso do que aceitá-los – ká‰ti – e aceitá-los com contentamento.

            De facto, o fruto das minhas acções correspondem, a cada passo, ao presente, ao agora. Não aceitar esse presente é uma tolice de criança. É mesmo disparatado. Como posso não aceitar alguma coisa que já está a acontecer. Se o faço, nego o acontecimento que acontece! Pelo contrário, a aceitação permite-me reconhecer esse acontecimento e, se necessário, trabalhar sobre ele para o alterar.

            Quando faço pújá, sento-me para executar uma acção cujo resultado não posso controlar e, por isso, relaxo na acção. Condiciono-me a agir entregando o resultado da acção a uma ordem cujo modus operandi não conheço totalmente. Sento-me diariamente para reconhecer essa ordem, para me reconhecer como parte dessa ordem e condiciono-me a perceber cada momento como perfeito, em perfeita harmonia com a ordem. Finalmente e consequentemente, desenvolvo a feliz aceitação desses momentos. No pújá esta percepção vai crescendo, vai sendo alimentada. Nele doamos, mas no meu caso recebo sempre um resultado visível e imediato – drishta karmaphalam – conforto, integração, unidade, libertação das amarras.

            No Yoga, normalmente, o ensino precede o conhecimento do seu objecto. Ao darmos o voto de confiança ao ensinamento percebemos a sua validade. Assim, tem sido para mim, uma e outra vez. Faça pújá e descubra a sua verdade!

 


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