Nos estudos mais profundos do Yoga, sejam nos textos clássicos de Hatha Yoga (Gheranda Samhitá, Hatha Yoga Pradípiká e Shiva Samhitá), sejam nos textos sagrados do Jñána Yoga, mas conhecido como Vedánta, o objetivo primordial da prática e do estudo é a libertação. Mais o que seria essa libertação? Uns ensinam como felicidade, muita felicidade; outros eruditos a definem como samádhi e todas as suas variações e estágios. A libertação é se conhecer. Autoconhecimento é ser livre. Livre daquilo que está por trás de tudo o que você faz, ou seja, a busca em ser feliz. Todos os moldes, padrões, projeções, julgamentos nos quais a pessoa se encaixa e quer encaixar as outras e o mundo em que vive para que assim se sinta feliz. Isto torna você preso. Só estou bem se estiver desta ou daquela maneira; com aquela ou sem aquela pessoa. E no fundo este estar bem dura muito pouco. Aí tem que mudar tudo novamente. Enquanto a pessoa baseia sua felicidade em experiências, projeta. E projetar é exteriorizar. Desconhecendo sua real natureza de existência, consciência e plenitude, o ser humano projeta sua felicidade em fatos e acontecimentos. Tudo na mente. Daí dizer-se que o samsára está na mente. A plenitude já é, não é nada para ser alcançado, mas conhecido. Só o conhecimento liberta. O conhecimento de que você e só você tem realidade absoluta e luz própria. Todo o resto depende da luz do Ser. Sem citar nomes, indaguei a um Svami sobre a tradicional afirmação "o sábio é livre de desejo". Lendo friamente esta frase tem-se a idéia de que para ser livre precisa se tornar uma "alface". Como resposta obtive apenas uma complementação: "o sábio é livre do efeito dos desejos sobre a mente"! Acrescentando a isso, minha professora de Vedánta disse-me uma vez "não dá pra deixar de ser humano". Simplesmente algo que estava lá longe, inatingível para a maioria dos mortais, tornou-se real e diante de meus olhos. Liberdade é estar bem, pleno, seja em qual situação for. É óbvio que a tendência é nos aproximarmos do conforto, mas a tendência também é sofrermos perante o desconforto. O sábio nada mais é do que aquele que se identifica com sua essência, não com a mente, não com o corpo. A mente reflete por completo a consciência (átman). Sabe que é apenas uma situação. Se o que deseja acontece, ótimo, se não acontece, ótimo também porque já se é pleno, nada tem a acrescentar ou a subtrair. Isto é ánandah. Isto é ser livre de desejos. Sempre através dos órgãos de percepção é que a mente reconhece as situações de prazer e dor, sukha / duhkha, identificando e reagindo. A natureza da mente é essa, sempre após um pensamento vem o questionamento deste pensamento. É aí que entra o autoconhecimento. Conhecer como funciona a complexidade da mente humana e viver inteligentemente. E nossas práticas de Hatha Yoga onde entram nisso tudo? O que pude entender dos textos é de que você faz ásana, pránáyáma, dhyána, etc. em busca de samádhi. Mas o que é este samádhi? Uma experiência ou um viver, algo que tem um início e um fim ou algo eterno, pleno, definitivo. Este samádhi experiência irá te trazer autoconhecimento e, consequentemente, libertação? Na minha percepção, que fique bem claro, entendo que os textos do Hatha Yoga se direcionam mais à experiência de samádhi. Principalmente por ser um estado atingido durante a meditação, ou seja, de olhos fechados e com indução através de técnicas. Não quer dizer que não seja bom, muito pelo contrário. Torna-se uma referência. Mas nada muda se a experiência tem um fim quando se abrem os olhos. Não houve uma transformação na sua mente, sai igual ao que entrou. Além disso, induz a querer repetir a mesma experiência e a busca se torna pela sensação que a experiência trouxe e não mais pela libertação propriamente dita. Será que isso é ser livre? Já o viver em samádhi é algo que causa uma transformação na mente porque é um reconhecimento da sua natureza, do que você já é, mantendo todos os seus relacionamentos com o mundo, de olhos abertos. Essa transformação é devido à ausência de identificação com a mente, com o corpo, com os padrões, reações, julgamentos, conceitos e tudo o mais. Cessa a necessidade da busca, pois nada há a acrescentar. Daí sim, você vive tudo que o mundo te oferece sem achar que irá te fazer feliz ou não. Você é feliz, por isso pode viver tudo plenamente. Isso é liberdade. Para isso é preciso o conhecimento. O ser consciente de que você é consciência, plenitude, infinito e não algo que tem um início e um fim, limitado. Nada que é limitado pode trazer satisfação a algo que é livre de limitação. E isso vem as poucos, gradativamente, na ordem do cosmos, para que você saiba lidar com essa transformação, com a nova maneira de ver o mundo e as pessoas. E elas com você. Não que a prática diligente de Hatha Yoga não tenha um fim. Tem. E muito bom quando praticada com o foco certo, a intenção correta. Talvez dessa maneira seja mais fácil perceber o que Pátañjali quis dizer no primeiro sútra: "atha yogánushasanam" - "agora começa o ensinamento sobre Yoga." Atha denota situação auspiciosa, oportuna, levando muitos estudiosos a interpretarem o sútra como se algo já houvesse sido compreendido, o estudante já estaria preparado para receber este ensinamento contido no texto. Fica aqui um tema pra uma próxima conversa. Shrí gurubhyo namah Harih Om. |