anubhútavishayásampramoshah smritih || 11 ||
Memória
é impedir a fuga de uma experiência.
anubúta = percebido, apreendido, experimentado
vishaya = objecto, assunto
asampramoshah = não deixar fugir, não deixar cair
smritih = memória
O quinto e último
vritti enumerado por Patañjali é smriti (memória). Patañjali não o deixa
para último lugar por acaso. É que este vritti
reúne todos os outros, preenche-se com os conteúdos dos restantes.
A memória é, por
um lado, a retenção das experiências presentes e, por outro, a lembrança das
experiências passadas.
Do ponto de vista
do yoga a actualização das
experiências que ontem eram presentes e hoje são passado mantém o ser humano
preso da roda do samsára (a
existência condicionada), na medida em que alimentam a equação atrás
mencionada: samskára -
vásana - vritti - karma. As acções e
experiências do ser humano produzem impressões no inconsciente (samskáras). Estas impressões criam no
subconsciente um impulso latente (vásaŠa)
no sentido de se actualizarem como conteúdos da mente (chitta) o que cria nesta uma flutuação e instabilidade, que quase
inevitavelmente levam à acção. Acção esta que reforça aquelas impressões,
impulsos, vrittis e que leva a novas
acções (karmas). Ora, estes vásaŠas e
samskáras têm a sua origem na memória
e alimentam continuamente o fluxo psico-mental. Por isso quando Patañjali
enuncia a memória como um vritti fá-lo na medida em que esta é um potencial
não consciente de hábitos, padrões de comportamento, padrões de pensamento, de
reacções e de acções. Neste sentido o significado de smriti (memória) não corresponde exactamente ao significado comum
da palavra memória.
Smriti é ainda responsável pelo engano acerca da real natureza do ser
humano. De facto, é a memória que fundamenta a existência do ego. A memória
agrega uma sucessão de experiências, de vivências sob a égide de um sujeito
actuante. Ora, a verdade é que a noção de permanência que a memória nos dá não
é real. O nosso corpo altera-se a cada minuto. Segundo o Dr. Deepack Chopra, a
pele renova-se a cada três semanas, o esqueleto a cada três meses e num ano 98%
dos átomos do corpo são trocados. Se é assim no corpo físico, ao nível
emocional e mental a impermanência é ainda maior. A cada ano que passa transformamo-nos
em novas realidades e apenas a memória de um nome, de um corpo, de relações com
o exterior mantém a ilusão de uma continuidade, quando na realidade só há
permanência no Ser que observa, o purusha,
"um simples espectador inactivo".
O yogi procura discernir (viveka) dentro da memória, sem se
condicionar, conhecendo-se, ampliando a consciência de forma a não viver num
passado-presente-futuro, mas num eterno presente. Procura, assim, manter tudo o
que apreende no plano consciente, no presente. Por isso, para quem interpreta o
conceito de smriti como
memória/atenção, encontra nele o problema – memória – e também a solução –
atenção. Atenção dirigida e consciente no presente – atha yogánushásanam[1] -
a observação constante de si mesmo, enfim a consciência de Saksh… (consciência testemunha). Aliás, Patañjali enuncia smriti
como requisito de sucesso na prática – confiança, energia, atenção (smriti) e sabedoria precedem e são
necessários para o samádhi (sútra I,20).
A memória, fonte
de pensamentos, imagens e sons não voluntários que surgem em chitta é o riltimo vriitti mencionado e o último a ser eliminado. No sútra I,43, Patañjali irá referir-se a
uma purificação da memória smriti-parishuddhi
– uma vez purificada a memória, quando a mente se esvazia da sua própria
natureza reflexiva e o objecto do de conhecimento brilha, alcança-se o nirvitarká samápatti.
[1] Patañjali abre os seus sútras com este: Agora começa o
ensinamento do Yoga. Agora, agora,
outra vez agora, sempre agora: o yoga,
a atenção ao presente. Veja-se o comentário a este sútra no primeiro número destes Cadernos.
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