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Não violência

Visita a um matadouro
Dave Gifford
22-11-2006


 

Quando sugeriram que eu visitasse um matadouro para que observasse em primeira mão as infrações aos direitos dos animais, fui muito cético. A razão de meu ceticismo foi que eu pensava que um matadouro não apresentava um exemplo de crueldade distante o suficiente de nossa vida diária para ser pungente ou relevante em uma discussão sobre direitos dos animais. Sentia que deveria escrever algo um pouco mais esotérico ou considerado cruel ou imoral, como a matança de bebês focas. Estava terrivelmente enganado. O fato do que acontece em um matadouro ser causado pela demanda que a vasta maioria da população exige da carne de outros seres vivos torna tudo ainda mais pungente e relevante.

Não há fuga conveniente da culpa associada ao que ocorre dentro de um matadouro, como no caso dos bebês focas no Ártico. Enquanto é fácil para a maioria de nós evitar comprar objetos para os quais as focas foram mortas -- assim incorrendo na culpa pelas suas mortes -- a maioria das pessoas voluntariamente (e impensadamente) come a carne de um tipo de animal ou outro cuja vida foi encerrada entre as paredes de um matadouro.

Quando saía de meu carro no estacionamento de uma fábrica de empacotamento, a combinação de sons e odores que vinham da construção metálica me fez questionar se aquilo era algo que eu realmente queria conhecer. A primeira coisa que me despertou os sentidos foi o barulho do gado -- não o mugido bucólico e agradável que se pode ouvir em uma estrada rural próxima a uma fazenda, mas um mugido rápido e frenético. Era uma espécie de mugido que ouvi certa vez durante um fim de semana na fazenda leiteira de meu tio, quando uma das vacas foi atacada por cães vadios. Fora o barulho, a liberação de adrenalina no seu corpo fazia que a vaca respirasse tão rapidamente que chegava a ter dificuldade. Naquele momento no estacionamento, podia sentir o desconforto no som das vacas, mas depois descobri que cada uma que aguardava no corredor que levava ao "estábulo da matança" estava sofrendo dos mesmos sintomas de terror que testemunhei na fazenda de meu tio.

A segunda coisa que notei também foi um som. Enquanto andava na direção do prédio, ouvia um chiado estranho que somente poderia ser de uma serra cortando ossos ainda envoltos em carne. Neste ponto descobri que não estava preparado para o que iria experimentar. Este sentimento foi se intensificando ao ponto de náuseas quando, enquanto me aproximava, senti pela primeira vez a combinação de odores que permaneceria durante as próximas horas: o cheiro enjoado e nojento de carne recém-abatida ainda tão quente da vida tão recentemente removida que o calor emanava dela; o cheiro não enjoado mas nauseante da fervura de lingüiças e salsichas e o frio ranger da carne sendo pendurada, carcaça após carcaça, fileira após fileira, na área de refrigeração. Minha imaginação havia me preparado para a experiência visual, mas eu estava completamente despreparado para o cheiro quase insuportável que permeava inteiramente a fábrica.

Depois de breves "amabilidades" com Jerry, o gerente de produção da fábrica, foi-me permitido prosseguir pela fábrica sem guias e no meu próprio passo. Comecei a visita "onde tudo começa", como Jerry colocou, na "área de matança". Entrei na área de matança através de um corredor curto, parecido com um túnel, através do qual eu podia ver o que logo saberia ser a terceira estação de açougue. A área de matança consistia de uma sala na qual um número de operações era executada por um ou dois entre seis açougueiros em quatro estações ao longo da extensão da sala. Na área de matança havia também um inspetor do departamento de agricultura americano (USDA) que examinava as partes de cada animal que passava.

A primeira estação é a estação de abate. Nela trabalha um único homem cujo trabalho é guiar o animal até o estábulo de abate, matá-lo e começar o processo de açougue. Este estágio do processo leva cerca de dez minutos para cada animal e começa com a abertura de uma pesada porta de aço que separa o estábulo de abate da área de espera.

O homem que trabalha nesta estação deve entrar em um corredor adjacente ao pátio de espera e conduzir sua próxima vítima na área de matança com uma vara elétrica de alta-tensão. Esta é parte que demora mais tempo da operação pois o gado tem plena consciência do que os espera à frente e está determinado a não entrar na área de matança. Os sintomas físicos de terror são dolorosamente evidentes nas faces de cada animal que vi, tanto na área de matança quanto na área de espera.

Durante cerca de 40 segundos a um minuto que cada animal fica esperando na área de matança antes de perder a consciência, o terror se torna visivelmente mais intenso. O animal podia cheirar o sangue e ver seus companheiros em vários estágios de desmembramento. Durante os poucos últimos segundos de vida, o animal desaba na área restrita do estábulo. Todas as quatro vacas cujas mortes eu presenciei pulavam freneticamente, futilmente e pateticamente para o alto -- a única direção que não estava bloqueada por uma porta de aço. A morte vem sob a forma de uma vara pneumática que é colocada contra a cabeça e disparada.

A pistola é projetada de modo que a haste jamais sai completamente, ela simplesmente vara a cabeça do animal e depois é puxada pelo açougueiro enquanto o animal desmaia. Vi isso sendo usado três ou quatro vezes, fazia o seu trabalho de primeira, mas uma vaca se debateu bastante até desmaiar. Depois que o animal desmaia, a lateral do estábulo de abate é levantada e uma corrente é colocada na pata direita. A vaca é então içada por essa perna e fica pendurada.

Neste ponto, o açougueiro drena o sangue do corpo fazendo um corte no pescoço da vaca. Quando as artérias são cortadas há uma corrente impressionante de sangue de modo que o açougueiro não consegue se afastar rapidamente e não consegue evitar levar um banho. Esta corrente de sangue quente dura cerca de 15 segundos, após a qual a única tarefa deixada pelo homem na primeira estação é esfolar o couro e remover a cabeça do animal.

Na segunda estação na área de matança, o animal sem cabeça é jogado no chão. O corpo é cortado na traseira, estripado e, se for fêmea, o saco de leite e as tetas são removidas. Neste momento, toda a urina e as fezes que não foram drenadas do corpo durante os primeiros segundos de morte correm soltos pelo chão. O corpo é então cortado até o meio e a pele afastada parcialmente. Uma corda é amarrada nas pernas traseiras, o corpo é levantado e o resto é puxado através de roldanas presas no chão, removendo a pele por inteira. O corpo do animal entra então na terceira estação da área de matança para ser retalhado e cortado na metade -- tornando-se duas "metades de bife".

As metades de bife são lavadas e pesadas na quarta e última estação de matança. Elas são colocadas então num armário de refrigeração onde o calor restante da vida lentamente se esvai antes de prosseguir para o freezer de super congelamento. Do armário de refrigeração, a carne prossegue para a área de armazenamento principal onde fica por até uma semana. Este armário tem uma saída para a área de açougue onde as laterais de carne são reduzidas em partes para serem enviadas aos supermercados e, posteriormente, chegarem até as mesas de refeição. A parada final em meu 'tour' foi a fábrica de salsichas e lingüiças. Sempre dizem que se alguém pudesse ver o que tem dentro de uma salsicha jamais comeria uma novamente. Bem, esse ditado se aplica dez vezes mais à produção de lingüiça. O cheiro mais violentamente nauseante que jamais senti foi o que vinha dos tanques de fervura da carne para lingüiça. Quando saía do complexo, estava envergonhado quanto ao meu ceticismo anterior e encorajo a qualquer um que tenha dúvidas como as que eu tinha, que faça uma visita a um matadouro ou passe um dia em uma fazenda fábrica. Creio que tenha ficado claro que deve existir uma forma melhor de nos alimentarmos e que é nossa missão, como seres capazes moralmente, perseguir formas alternativas.

Sobre o autor:

Dave Gifford é um estudante do Trinity College em Hartford, Connecticut, EUA. Este texto foi extraído do "The Forum" o jornal estudantil da instituição.


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