Em todas as culturas e
tradições o fogo simboliza a presença da luz e do sagrado. Aliás, terá sido a
presença do fogo a agrupar os primeiros humanos em volta daquela presença
quente e luminosa.
Quando nos sentamos em frente
ao fogo sentimos algo mais do que o fenómeno natural: uma presença que nos faz
companhia, um amigo antigo e ao mesmo tempo misterioso que nos olha e nos
hipnotiza.
Na tradição védica, o fogo
sagrado, agni, representa o conhecimento, a consciência, o que é puro e
purifica. Da mesma forma que o fogo remove a escuridão, também o
conhecimento remove a ignorância e revela a nossa natureza – púrnatvam. Agni representa a natureza sagrada do Universo e do no Ser, a consciência escondida no corpo, a
inteligência viva subjacente no mundo material, como o fogo escondido na lenha.

Os Vedas reverenciavam primordialmente as forças da natureza como
manifestações da inteligência presente no Universo. Agni, o fogo, é um dos elementos mais invocados nos Vedas; existem mais de 200 hinos do Rg Veda que lhe são dedicados. De facto,
a civilização védica girava à volta do fogo e a própria vida familiar existia à
volta dele, de tal forma que o fogo recebia também o nome de grhapati, o senhor da casa.
Agni
não é apenas a inteligência presente no fogo, mas também a inteligência
presente no Sol, súrya, na luz, jyoti, em tudo o que ilumina e revela.
Por isso, o Yoga nasce e existe
dentro desta tradição do fogo sagrado.
Nasce como um método de iluminação da mente, para que ela possa revelar a
verdadeira identidade do ser humano ao invés de a camuflar. A palavra buddha demonstra isso mesmo: Buddha é aquele que iluminou buddhi, o seu intelecto.
Yajña
O yajña é um ritual
simbólico em que nos sentamos para reconhecer agni como o símbolo
da vida e da inteligência e não apenas como um simples fogo.
Enquanto a prática do Yoga se faz individualmente, o yajña é uma prática colectiva, um karma, para a purificação da mente e o
cultivo das virtudes desejáveis no ser humano. O yajña faz parte do Karma Yoga.
O
Karma Yoga constitui a acção correcta
e a atitude correcta na acção e em relação aos frutos da acção. Segundo o ensinamento védico as acções
correctas são, prioritariamente, aquelas que se traduzem num máximo benefício
para o maior número de seres e são tradicionalmente enumeradas como sendo: yajñah (sacrifício), danam (doação), tapah (disciplina).
yajïadánatapaùkarma
na tyájyaà káryameva tat |
yajïo dánaà tapashcaiva pávanáni maníshinám || 5||
Acções de
sacríficio, caridade e disciplina não devem ser abandonadas e devem ser
cumpridas, pois os sacrificios, caridade e disciplina purificam os homens de
discernimento.
etányapi tu karmáni sangam tyaktvá phaláni
ca | kartavyáníti
me pártha nishcitam matamuttamam || 6||
Assim, os
sacrifícios, caridade e disciplina, bem como como todos os outros deveres devem
ser executados sem apego e sem expectativa de recompensa. Este é, ó Arjuna, o
meu bem reflectido e supremo verdicto.
(Bhagavad Gítá, XVIII, 5-6)
O
sacrifício, yajñam, não é um ritual
primitivo, mas um sacrifício da própria vontade e esforço em benefício alheio, que a final é o próprio benefício. São
enumerado cinco grandes sacrifícios, panchamaháyajña,
em reconhecimento dos devas, em
gratidão aos ancestrais e mestres; em benefício e serviço à humanidade, aos não
humanos e à natureza.
O resultado do Karma Yoga é a remoção das imperfeições
no ser humano e o desenvolvimento das suas virtudes, o que se traduz numa
purificação mental, chitta shuddhi, e
uma nova disposição mental (chitta samskárah)
Ora como se transformam as
imperfeições em virtudes, como se substituem samskáras não desejáveis, por aqueles que são desejáveis? Quando surgem pensamentos indesejáveis,
estes podem ser eliminados pelo pensamento contrário – pratipakshabhávanam.
Ouçamos Patañjali:
vitarka-bádhane
pratipaksha-bhávanam || 33||
Quando estas restrições e observâncias
são inibidas por pensamentos contrários, o oposto deve ser pensado [pratipakshabhávanam]. (Yoga-Sútra, II, 33)
Ora, é este o mecanismo por
trás do yajña, a transformação das
nossas impressões mentais latentes. Do desejo (káma) em relação ao que falta, para o contentamento (santosha) com o que se tem; da raiva (krodha) para a paciência (kshama); da ganância para a
generosidade; da ilusão para o discernimento.
|