Bhrámarí é conhecido como o
pránáyáma do som da abelha. Este pránáyáma serve como uma excelente
preparação para técnicas onde se exija maior aquietamento e introspecção, e por
isso é idealmente feito antes da meditação. Aliás, o pránáyáma, em si, encerra já uma óptima prática de meditação uma
vez que serve mais a internalização e observação do que para a manipulação do prána.
Segue uma descrição
inicial:
a)
Sente numa posição
confortável, idealmente num ambiente de silêncio;
b)
Tape os ouvidos;
c)
Faça uma inspiração
profunda;
d)
expire lenta e
profundamente, produzindo um zumbido semelhante ao de um abelhão (bhrámarí).
Este é, sem dúvida, um pránáyáma adequado ao dosha
vata que há em nós, uma vez que conforta a mente, acalma a ansiedade e pode
eliminar a insónia. O dosha pitta
também pode beneficiar muito do bhrámarí
no acalmar de estados emocionais como a raiva e outras emoções agressivas.
Como sentar?
Pode escolher sentar-se em qualquer ásana de meditação como siddhásana,
sukhásana, padmásana ou vajrásana, por exemplo. Neste caso, os
braços terão de ficar elevados sem apoio para que as mãos possam tapar os
ouvidos. O inconveniente é que relativamente cedo os braços se cansam e
torna-se impossível seguir o bhrámarí com
sucesso.
A alternativa é sentar sobre um ou dois bloquinhos de
madeira ou cortiça, com as plantas dos pés apoiadas no chão, as pernas
flectidas com os joelhos a apontarem para o céu, as costas o mais alinhadas e
rectas possível, os cotovelos ou antebraços apoiados sobre os joelhos e as mãos
sobre a cabeça tapando os ouvidos. Esta variação permite, sem dúvida, uma maior
permanência, embora talvez não seja o ideal para aqueles que gostam de aparecer
na fotografia ;)
Como tapar os ouvidos?
Os ouvidos podem ser tapados simplesmente com os
polegares ou com os indicadores sem qualquer exigência adicional que não a do
conforto.
Aqueles que conhecerem poderão fazer shanmukhí mudrá ou yoni mudrá
conforme a nomenclatura da Gheranda Samhitá.
Este é o gesto que fecha as sete portas da entrada dos sentidos na cabeça:
ouvidos, olhos, narinas[1]
e boca. Com a sugestão do mudrá não
se quer mais do que intensificar o pratyáhára
proporcionado pelo exercício.
Em ambos os casos é importante que o praticante se
assegure que os ouvidos ficaram bem tapados e que a posição é confortável para
que não haja necessidade de interromper o exercício antes do previsto. Por fim,
enquanto tiver alguma inflamação nos ouvidos evite o pránáyáma.
Aprofundando:
Como forma de intensificar a introspecção e dar maior
coerência interna ao pránáyáma
sugere-se fazer ujjáyí na inspiração.
O zumbido da expiração não precisa ser muito alto, mas apenas o suficiente para
que cada um perceba a vibração dentro do crânio.
O bhrámarí pránáyáma pode ser o ponto de partida
para uma prática do Náda Yoga tão
exaltado na Hatha Yoga Pradípiká.
Neste sentido sugere-se que depois de, num primeiro momento, se executar o bhrámarí conforme foi acima descrito, se
deixe cair o som do zumbido na expiração, se cesse o ujjáyí na inspiração (no caso de ter sido feito) e se procure
descortinar um som interno ao qual o praticante possa dirigir a atenção. As
“sete portas” devem manter-se bem fechadas para que a busca não seja perturbada
pelo exterior. Esta investigação do som interno deve ser repetida para que os
frutos possam aparecer. Progressivamente os sons mais densos vai sendo
abandonados e os mais subtis investigados.
Vejamos então o que nos dizem os Shástras:
“Inala-se rapidamente produzindo um som semelhante ao do
vôo do zangão; depois expira-se lentamente (após a retenção com os pulmões
cheios) produzindo o som do vôo da abelha. Com a prática deste exercício, os
grandes yogis experimentam uma
felicidade indescritível em seus corações.” Hatha
Yoga Pradípiká, II, 68 [2]
O texto confirma a indicação – o som da abelha – que é a
marca distintiva deste pránáyáma.
Quanto à inspiração, a indicação é para que seja feita de forma rápida e com o
som do zangão. De facto, para que esse som seja produzido na inspiração esta
tem de ser rápida. No entanto, admite-se também que ali esteja uma referência à
inspiração em ujjáyí, caso em que a
inspiração poderá ser mais profunda e lenta, o que parece ser o ideal.
Quanto à retenção com ar, embora ela não conste do texto
original, conforme o tradutor assinala pelos parênteses, fica a sugestão.
Alguns professores consideram a retenção irrelevante no bhrámarí, enquanto outros a sugerem em fases mais complexas do
exercício. Em qualquer caso, o foco não é certamente a retenção, mas sim a
expiração. Assim, recomenda-se moderação.
Vejamos agora a Gheranda
Samhitá, V, 78-82[3]:
“Depois da meia-noite, num lugar silencioso onde nem
sequer o ruído de animais ou insectos possa ser ouvido, ele irá praticar
inspiração e retenção, tapando os ouvidos com as mãos.
Então, ele irá ouvir vários sons internos no seu ouvido
direito. O primeiro som será semelhante ao de um grilo, depois o de uma flauta,
o trovão, o de um tambor, o de uma abelha, depois sinos, gongos, trompetas,
timbales, mrdanga, tambores militares
e do tambor dundubhi.
Estes sons diversos serão revelados por uma prática
diária deste bhrámarí. Por fim, o som
anáhata [não percutido] emerge do
coração. Da ressonância deste som interior nasce uma luz, e esta luz inunda a
mente. Quando a mente é absorvida alcança o assento supremo de Vishnu. Pelo sucesso no brámarí alcança-se o sucesso no samádhi.”
Claramente, sob o nome bhrámarí é aqui descrito não um pránáyáma, mas a técnica de Náda Yoga acima sugerida e que é
amplamente explorada sob o nome náda
anusandhána na Hatha Yoga Pradípiká (IV,
65-105). Assim, encontramos aqui o suporte da tradição para a investigação
sugerida tendo como ponto de partida o bhrámarí
pránáyáma.
A referência ao escutar pelo ouvido
direito não tem necessariamente de ser entendida literalmente, uma vez aqueles
sons são subtis, não percutidos. Esta investigação pode ser feita explorando a
retenção ou sem retenções. Vale o bom-senso. Relembre que não é o difícil que
traz resultados, mas sim o que é adequado a cada momento. Harih Om!
[1] Claro
está que o fechar das narinas deve ser entendido habilmente. Por favor não se
suicide com o bhrámarí!
[2] Svátmáráma Yogendra, Hatha Yoga Pradípiká, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto
Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.
[3] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of
Hathayoga-Pradípiká, Gheranda-Samhitá and Shiva-Samhitá, tradução para o
Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1ª Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia e ainda de Gheranda Samhitá, Traité Clasique de
Hatha Yoga, Original, Traduction, Commentaires, Jean Papin, Éditions Almora,
Septembre 2005. |