Pesquisar:







banner_yoga_pro_br

Prática

Yoga e a Saudação ao Sol
Miguel Homem
24-11-2006


A observação do mundo à nossa volta e do comportamento dos animais humanos e não humanos permite-nos concluir que, ressalvadas as diferenças, todos procuram o mesmo - a felicidade. De facto, e ainda que por meios diferentes e em lugares diferentes, todos procuramos essa felicidade. Humanos e não humanos buscam o prazer e procuram afastar-se da dor e do sofrimento. Nenhum ser vivo quer sofrer. Este é um denominador comum. Queremos felicidade, sempre, em todos os momentos. Mas mais, queremos a felicidade no seu máximo e plenitude.

Se procuramos essa felicidade, é porque sentimos não a ter. E essa percepção existe porque a maior parte do tempo vivemos com a sensação de que falta alguma coisa, de que ainda não somos completos. Essa percepção de que somos incompletos lança-nos numa busca que, para muitos, dura uma vida inteira e sem sucesso - a busca da parte de nos falta para finalmente sermos completos e sermos felizes. Essa felicidade seria uma plenitude que abarca tudo e que, por tudo abarcar, elimina qualquer desejo. Tudo está contido na plenitude que já somos.

Mas vejamos como o ser humano, em particular neste momento temporal, vê essa busca. O que distingue os seres humanos dos seres não humanos é onde buscam a parte em falta. Enquanto os animais não humanos são governados pelo instinto na sua busca, nós, humanos, temos o livre arbítrio para conscientemente determinar o rumo das nossas escolhas. Assim, alguns procuram encontrar essa parte que falta na aquisição de objectos: um carro, uma casa ou a nova televisão com ecrã em plasma. Outros procuram essa completude em experiências ou em relações. Sucede que, invariavelmente, após a conquista do que procurávamos, voltamos à sensação de sermos incompletos, de querermos transformar-nos em algo diferente. Quando consigo comprar o meu carro, é como se por momentos sentisse que tinha alcançado a felicidade. Mas com o tempo o cheiro a novo passa, novos modelos aparecem e o que no início originava essa sensação de felicidade, aos poucos transforma-se em indiferença e mais tarde em sofrimento. Assim é com objectos, assim é com as relações. Conheço uma pessoa por quem me apaixono. E por momentos, às vezes mais duradouros, outra vezes menos, sinto que agora sim encontrei a felicidade, sou completo. Aquela pessoa preenche tudo o que me falta. Mas mais uma vez, o tempo passa e acontece mesmo, o que antes me atraía e me fez apaixonar, agora me afasta e me irrita.

Invariavelmente o mesmo padrão: projecto a minha felicidade em algo, alcanço esse algo, e mais tarde ou mais cedo a sensação de ser incompleto, de querer algo diferente volta. O problema não pode estar, portanto, nos objectos, nas relações. Cada objecto e cada relação tem a sua própria natureza e não pode ir além dela. Um carro é um meio de locomoção, se o vejo como a fonte da minha felicidade vai ser sempre insatisfatório. De facto, e como ensina o Swami Dayananda, "The problem is you, the solution is you". A questão não está pois no universo com que nos relacionamos, mas em nós, no sujeito. A questão está na nossa verdadeira identidade, naquilo com que nos identificamos, o que tomamos por "eu". Esse "eu" que nos parece ser incompleto, não o é, pelo contrário é púrna (completo) e a felicidade (ánanda) que procuramos reside em nós. Reside em nós, aqui e agora, não num futuro dependente desta ou daquela acção.

O Yoga é o processo, e em certo sentido também o fim, para percebermos a nossa verdadeira dimensão e identidade. Esse processo de ensinamento e técnicas é na verdade uma tradição, uma cultura e uma filosofia de vida que é aprendida e incorporada e na qual vamos ampliando a percepção do mundo à nossa volta, da sensibilidade desse mundo e dos seres que o habitam, sejam eles humanos ou não, e descobrimo-nos como o completo que buscávamos noutro lado. O Yoga pretende, então, a libertação (moksha) dessa sensação de ser incompleto, de que falta algo, de querer ser ou tornar-se algo diferente.

No universo e suas diferentes manifestações o subtil precede sempre o denso. Assim, para percebermos a nossa dimensão mais subtil haverá que partir do mais denso para o mais subtil. No ser humano a dimensão mais densa é o seu corpo físico (sthúla sharíra). Assim, a prática começa pelo mais denso, o corpo, e segue aprofundando-se culminando na meditação. Sugerimos por isso, como início, a prática do súrya namaskára (a saudação ao sol).

O súrya namaskára é tradicionalmente utilizado no início das práticas de Hatha Yoga, independentemente dos seus diversos estilos. Todo o Yoga que utiliza sequências de ásana (as posições físicas) é Hatha Yoga, mesmo quando recebe outros nomes. Esta sequência, cujo nome nos remete para a reverência ao sol, deve ser feita com um estado de atenção interna, como um verdadeiro namaskára.

O súrya namaskára, a nível físico, desenvolve a musculatura do corpo e promove o alongamento dos músculos, não só da região periférica do corpo, mas também do tronco. É uma sequência de exercícios combinados com respiração (nasal) que permite manter a coluna vertebral saudável, cria mobilidade nas diferentes articulações, massaja os órgãos internos e estimula os sistema respiratório e circulatório. A saudação ao sol actua também no corpo subtil (súkshma sharíra) estimulando o centro energético do corpo e a circulação da energia (prána) dentro dele, gerando calor. Por fim, a sequência produz um estado de paz mental. Idealmente deve ser praticado pela manhã, em jejum, mas qualquer hora é boa desde que não se tenha comido há menos de duas horas. Ainda assim é de evitar fazê-lo imediatamente antes de ir dormir.

A sequência do súrya namaskára varia consoante as escolas. Existe uma sequencia típica do Norte da Índia, e outra do Sul. Em cada uma delas existem algumas variantes. Há que lembrar que tanto na saudação ao sol como em outros ásanas (posições do yoga) é a posição que tem de se adaptar ao corpo de cada um e não o inverso. No caso da sequência do súrya namaskára deve ser a sequência a adaptar-se a cada corpo, no momento em que a pratica, e não o corpo a forçar-se dentro da sequência. As fotografias apresentadas representam o ásana (posição) perfeito para aquele corpo, naquele momento. Como costumo dizer aos meus alunos, devemos libertar-nos de tentar fazer esta ou aquela posição do livro. A posição saudável, e por isso perfeita para nós, pode não ser aquela. No Yoga tão importante como o que se faz é a consciência com que se faz.

A sequência que se apresenta conjuga as tradições do Norte e do Sul da Índia e parece-nos particularmente segura e eficaz.

yoga_reduzido_01

  1. Pranámásana[1] : em pé, com os pés juntos ou ligeiramente afastados, feche os olhos e mantenha as mãos juntas a frente do peito. Faça uma respiração profunda.
  2. Úrdhva hastásana: inspire e eleve os braços, fazendo uma tracção da coluna, mantendo os ombros baixos, alinhados, sem os encostar às orelhas.
  3. Uttánásana: a) expire, flectindo o corpo à frente, alongando as costas, mantendo as coxas activas (puxando os músculos na direcção dos quadris) e as rotulas subidas. b) inspire alongando o tronco, olhando em frente sem franzir a testa, mantenha as pernas activas e procure girar os quadris para trás.

    yoga_reduzido_02
  4. Ashva sañchálanásana: expire e traga a perna direita para trás.

  5. Chatuspádásana: inspire e traga a outra perna para trás, deixando o tronco recto no alinhamento das pernas.

  6. Ashtánga namaskára: expire flexione os joelhos e os braços de forma a que os pés, os joelhos, o peito, as mãos e a testa toquem no chão. Os quadris ficam elevados.

    yoga_reduzido_03

  7. Úrdhva mukha shvánásana: gire os pés de forma a que os dorsos apoiem no chão. Inspire, estique os braços, com os ombros rodados para trás e para baixo, mantendo os quadris baixos, os joelhos elevados e as pernas activas.

  8. Adho mukha shvánásana: expire, traga os quadris para trás com o cóccix apontado para o cima, os pés afastados à largura das ancas, mantenha as coxas activas com as rótulas para cima e procure apoiar os calcanhares nos chão. Permaneça na posição por cinco respirações.

  9. Ashva shanchalanásana: Inspire traga o pé direito à frente, mantendo a perna de trás esticada e os quadris baixos. Permaneça e expire.

    yoga_reduzido_04

  10. Uttánásana: b) Inspire traga o outro pé à frente, as mãos no chão ou nas pernas, mantenha as pernas activas gire os quadris para trás e alongue o tronco a) expire, flectindo o corpo à frente, alongando as costas.

  11. Úrdhva hastásana: inspire e eleve os braços, fazendo uma tracção da coluna, mantendo os ombros baixos, alinhados, sem os encostar às orelhas.

  12. Pranamásana: expire baixando os braços lateralmente e juntando as mãos em anjali mudrá.

Idealmente, a sequência apresentada corresponde a meio ciclo. Na sequência seguinte inverta a movimentação dos pés. Em 4. traga a perna esquerda atrás, e em 9. traga o pé esquerdo à frente. Para início sugerem-se dois ou três ciclos. Em todo o caso lembre que as indicações deixadas, mesmo com as fotografias, não substituem a indicação de um professor competente e qualificado.

Harih Om!

Miguel Homem

miguelhomem@gmail.com

[1]Os ásanas do Yoga recebem diferentes nomes consoante as escolas de ensino indianas. A mesma posição pode ser conhecida por dois ou três nomes diferentes.


Partilhe este artigo: 
| Mais


 

 



Desenvolvido por pontodesign  
 X